O ritmo de expansão de energias limpas no Brasil esfria após recordes. Saiba os fatores regulatórios e econômicos por trás dessa mudança de rota.
### Conteúdo
- Os Números Frios e o Efeito Antecipação
- O Custo do Capital e o Peso da Taxa de Juros
- A Maturidade da Geração Distribuída (GD)
- A Busca por Firmeza: Armazenamento e Hibridização
- Hidrogênio Verde (H2V): O Novo Grande Comprador
- O Desafio da Transição e a Qualidade do Crescimento
- Visão Geral
Os Números Frios e o Efeito Antecipação no Crescimento de Renováveis
O panorama é claro ao analisar os dados de entrada de capacidade da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Se antes o setor elétrico adicionava dezenas de gigawatts (GW) anualmente, impulsionado pelo *boom* da geração distribuída (GD), o ritmo se tornou mais comedido no último período. A virada ocorreu após o esgotamento dos prazos para garantir os antigos benefícios tarifários.
O crescimento recorde anterior foi, em grande parte, uma antecipação de mercado. Milhares de pequenos e médios projetos de energia solar correram contra o tempo para protocolar seus pedidos de acesso antes das novas regras do Marco Legal da GD entrarem em vigor. Essa antecipação gerou um pico artificial no gráfico de crescimento de renováveis.
Os relatórios mostram que, embora a geração centralizada (GC) em energia eólica e grandes usinas de energia solar continue avançando, a queda no volume da geração distribuída (GD) foi o principal vetor estatístico dessa inflexão. O mercado de GD entrou em uma fase de acomodação após o período de corrida, buscando agora novos modelos de negócio sob a nova regulação do setor elétrico.
O Custo do Capital e o Peso da Taxa de Juros nos Investimentos em Energia Limpa
Não se pode falar em desaceleração sem mencionar o ambiente macroeconômico. A manutenção de uma taxa de juros (Selic) relativamente alta no Brasil, embora em queda, pressionou o custo de capital para os investimentos em energia limpa. Projetos de infraestrutura de longo prazo, especialmente os grandes parques de energia eólica e energia solar de geração centralizada (GC), são altamente dependentes de financiamento.
Com a taxa de juros elevadas, o custo de *serviço da dívida* aumenta, reduzindo a Taxa Interna de Retorno (TIR) e tornando alguns projetos marginais inviáveis ou menos atraentes. A segurança jurídica por si só não basta; a viabilidade econômica é o motor final dos investimentos em energia limpa.
Esse fator macroeconômico afeta desigualmente os segmentos. Enquanto os grandes investidores conseguem absorver parte do risco da taxa de juros, os pequenos e médios instaladores de geração distribuída (GD) sentem o impacto diretamente no financiamento ao consumidor final, que adia a decisão de compra dos sistemas de energia solar.
A Maturidade da Geração Distribuída (GD) e a Regulação do Setor Elétrico
O Marco Legal da GD (Lei 14.300/2022) foi, indiscutivelmente, o fator catalisador da desaceleração. A mudança no sistema de compensação, que estabeleceu regras de tarifação gradativas para o uso da rede de distribuição de energia, encerrou o período de incentivo total. O setor entra em um novo capítulo.
A intenção da nova regulação do setor elétrico era garantir que o consumidor-gerador pagasse uma tarifa mínima pelo uso da infraestrutura, evitando que os custos fossem integralmente repassados aos demais consumidores. Contudo, essa transição gerou a “corrida por *grandfathering*”, seguida por uma inevitável desaceleração dos novos pedidos de acesso.
O setor elétrico agora observa a geração distribuída (GD) em uma fase de amadurecimento, onde a decisão de investimento é baseada em uma análise econômica mais realista, e não apenas na maximização de subsídios. Isso exige mais inovação nos modelos de negócio, como a geração compartilhada em grandes parques remotos e a busca por eficiências operacionais.
A Busca por Firmeza: Armazenamento de Energia e Hibridização para o Crescimento de Renováveis
Para reverter a desaceleração e sustentar o crescimento de renováveis, o foco do setor elétrico está se deslocando da simples instalação de MW para a busca por segurança energética e geração de energia firme. A intermitência da energia solar e energia eólica exige soluções de armazenamento de energia (baterias) e hibridização de parques.
A próxima onda de investimentos em energia limpa dependerá da clareza na regulação do setor elétrico sobre o *storage*. A capacidade de armazenar e despachar energia quando o sol não brilha ou o vento não sopra é o que garantirá o crescimento sustentável da transição energética sem comprometer a segurança energética do SIN.
O governo, por meio dos próximos leilões de capacidade, deve sinalizar fortemente a valorização do armazenamento de energia, promovendo a sustentabilidade da rede. As fontes renováveis só podem alcançar seu potencial máximo se forem acompanhadas de soluções que garantam a previsibilidade do suprimento.
Hidrogênio Verde (H2V): O Novo Grande Comprador de Geração de Energia
Outro vetor de crescimento crucial para combater a desaceleração é o Hidrogênio Verde (H2V). Grandes projetos industriais de H2V, que visam a exportação ou o consumo doméstico em larga escala, exigem vastos volumes de energia eólica e energia solar dedicada e *greenfield*.
Esses projetos estão começando a demandar nova capacidade de geração de energia em contratos de longo prazo (PPAs), injetando capital e dando um novo fôlego ao segmento de geração centralizada (GC). O H2V posiciona o Brasil não apenas como gerador, mas como exportador de energia limpa materializada.
A segurança jurídica em torno da certificação da energia limpa para o H2V é, portanto, vital. A ANEEL e o MME precisam alinhar rapidamente os critérios de rastreabilidade e sustentabilidade para que o capital estrangeiro destinado a esses projetos não seja desviado.
O Desafio da Transição e a Qualidade do Crescimento dos Investimentos em Energia Limpa
Apesar da desaceleração, o Brasil mantém seu *status* de líder global em sustentabilidade energética. No entanto, o episódio serve como um lembrete de que o crescimento de renováveis não é um processo automático. Ele exige segurança jurídica, políticas públicas previsíveis e um ambiente macroeconômico favorável que neutralize o impacto da taxa de juros no longo prazo.
O setor elétrico precisa de estabilidade regulatória para evitar novos picos e vales de investimento. A ANEEL e o MME têm o desafio de refinar a regulação do setor elétrico para incentivar a eficiência e a resiliência, e não apenas a quantidade instalada de geração de energia.
A desaceleração deve ser vista como uma correção de rota. O Brasil está saindo de um período de crescimento induzido por incentivos para entrar em uma fase de maturidade de mercado. O futuro do crescimento de renováveis dependerá da nossa capacidade de integrar tecnologias de ponta e de manter a atratividade do nosso capital frente à taxa de juros global.
Visão Geral
O primeiro sinal de desaceleração do crescimento de renováveis em cinco anos é um marco para o setor elétrico. Não é motivo para pânico, mas sim para uma análise sóbria sobre os impactos do Marco Legal da GD e da taxa de juros no ritmo da transição energética.
Para os profissionais do setor elétrico, a mensagem é clara: o foco agora deve migrar da pressa pela instalação para a qualidade, a segurança energética e a inovação. O novo ciclo de investimentos em energia limpa será mais desafiador, exigindo projetos mais robustos, com maior capacidade de armazenamento de energia e maior sustentabilidade econômica. A regulação do setor elétrico precisa garantir a segurança jurídica para que a energia solar e a energia eólica continuem sendo as estrelas da nossa matriz no longo prazo.