A iniciativa visa corrigir distorções no financiamento da segurança energética, aliviando a pressão sobre consumidores cativos.
Conteúdo
- Introdução do INESC sobre o Rateio das Bandeiras Tarifárias
- A Isonomia dos Custos Sistêmicos e a ANEEL
- O Dilema da Migração para o Mercado Livre e o Efeito “Free Rider”
- Resistências do Mercado e Contrapontos Regulatórios ao Rateio
- Impacto Social da Desigualdade na Conta de Luz
- O Futuro da Estrutura Tarifária e a Responsabilidade Sistêmica
Introdução do INESC sobre o Rateio das Bandeiras Tarifárias
O debate sobre a justiça tarifária e a estrutura de custos do setor elétrico brasileiro acaba de ganhar um novo capítulo explosivo. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) protocolou uma proposta audaciosa que visa corrigir uma das maiores distorções do sistema: o rateio do custo das bandeiras tarifárias com os consumidores do mercado livre de energia. A iniciativa busca aliviar a pressão sobre o consumidor cativo e reduzir desigualdades na conta de luz, principalmente para as famílias de baixa renda.
Para os profissionais do setor elétrico, esta discussão é crucial, pois toca na própria filosofia do sistema de subsídios cruzados e na forma como a segurança energética é financiada. Atualmente, os consumidores que permanecem no mercado regulado (o cativo), geralmente residenciais e pequenos comércios, arcam sozinhos com os custos adicionais gerados pela necessidade de acionar usinas mais caras, como as termelétricas.
O INESC argumenta que essa estrutura é fundamentalmente injusta. À medida que grandes consumidores industriais e comerciais realizam a migração para o mercado livre em busca de preços mais competitivos e energia limpa, eles se desvinculam automaticamente da obrigação de pagar as bandeiras tarifárias. Este êxodo aumenta o ônus sobre quem fica, perpetuando a desigualdade e elevando o preço final da conta de luz para os mais vulneráveis.
A Isonomia dos Custos Sistêmicos e a ANEEL
A essência da proposta do INESC reside no conceito de que o custo das bandeiras tarifárias é um custo sistêmico, e não meramente um custo de aquisição de energia. As bandeiras são acionadas em momentos de escassez hídrica ou alta demanda, quando a ANEEL precisa ligar usinas térmicas caras para garantir a segurança energética de todo o Sistema Elétrico Brasileiro (SIN).
Se a estabilidade do SIN beneficia tanto o mercado livre quanto o cativo, o INESC questiona por que apenas um grupo deve financiar essa segurança energética. Os consumidores do mercado livre utilizam a mesma infraestrutura de transmissão e distribuição, e dependem da mesma matriz de reserva (termelétricas) para evitar apagões.
O rateio proposto pelo Instituto não busca penalizar a migração para o mercado livre, um movimento considerado benéfico para a competitividade do país. Em vez disso, ele propõe que a ANEEL e o Ministério de Minas e Energia (MME) estabeleçam um mecanismo de compartilhamento dos custos variáveis que incidem sobre o sistema de bandeiras.
O Dilema da Migração para o Mercado Livre e o Efeito “Free Rider”
A rápida migração de consumidores para o mercado livre cria o que os economistas chamam de efeito “carona” (*free rider*). Os grandes consumidores usufruem da segurança energética provida pelo acionamento das termelétricas, mas escapam do mecanismo de preço que financia esse *back-up* – as bandeiras tarifárias.
Essa distorção não apenas onera o consumidor residencial, mas também desvirtua o sinal de preço. O consumidor no mercado livre não sente o custo real da operação do sistema em períodos de estresse hídrico, perdendo o incentivo para economizar ou para buscar fontes de energia limpa com maior resiliência no momento certo.
O INESC sugere que o valor a ser rateado seja calculado com base no consumo total do mercado livre e repassado por meio de encargos específicos ou ajustes nos custos de uso do sistema de distribuição (TUSD) e transmissão (TUST). Embora complexo de implementar, o mecanismo de rateio visaria a justiça tarifária.
Resistências do Mercado e Contrapontos Regulatórios ao Rateio
A proposta do INESC certamente encontrará forte resistência por parte das associações que representam os comercializadores e consumidores do mercado livre. O principal argumento contrário é que a energia comprada no mercado livre já tem seu preço fechado por contrato e, frequentemente, vem de fontes de energia limpa e renovável que não dependem das termelétricas.
Esses agentes argumentam que impor o rateio dos custos das bandeiras tarifárias seria uma espécie de “dupla cobrança” ou uma barreira regulatória para a migração. Eles sustentam que a desigualdade deve ser resolvida com subsídios diretos aos mais pobres, e não com a criação de novos encargos sobre o mercado livre.
No entanto, o INESC rebate que mesmo a energia limpa e renovável (eólica e solar) precisa do custo de segurança energética da reserva térmica. O rateio proposto busca apenas que todos os usuários do sistema, que se beneficiam da estabilidade, contribuam de maneira proporcional.
Impacto Social da Desigualdade na Conta de Luz
Os dados apresentados pelo INESC e por outras organizações sociais mostram que a desigualdade no pagamento da conta de luz é profundamente regressiva. As bandeiras tarifárias representam um percentual muito maior da renda de famílias de baixa renda do que de famílias de alta renda.
Quando a bandeira atinge o patamar Vermelho 2, por exemplo, o acréscimo no custo do kWh impacta desproporcionalmente o orçamento das famílias, muitas delas chefiadas por mulheres e pessoas negras, conforme apontam estudos recentes. O rateio com o mercado livre aliviaria essa pressão sobre o consumidor cativo, reduzir desigualdades e promover uma reforma de justiça social no setor elétrico.
A solução passa por uma análise profunda da ANEEL e do MME sobre a forma como os encargos setoriais são distribuídos. O rateio proposto pelo INESC força o setor elétrico a encarar a questão da desigualdade de custos no contexto da expansão do mercado livre, que se tornará regra para todos os consumidores de alta tensão até 2024 e se expandirá para o varejo nos próximos anos.
O Futuro da Estrutura Tarifária e a Responsabilidade Sistêmica
A proposta do INESC não é apenas sobre bandeiras tarifárias, mas sobre o futuro da estrutura tarifária no Brasil. Com a expansão inevitável do mercado livre, o mercado cativo tende a encolher e a se concentrar em consumidores residenciais. Sem mecanismos de rateio como o proposto, esses consumidores seriam forçados a absorver a totalidade dos custos fixos e variáveis da rede, elevando a desigualdade a níveis insustentáveis.
O debate impulsionado pelo INESC exige que a ANEEL encontre um equilíbrio regulatório que estimule a competitividade e a energia limpa no mercado livre, ao mesmo tempo em que garante a justiça tarifária para a base da pirâmide. O rateio dos custos de segurança energética é uma medida de equidade econômica que não pode mais ser ignorada pelo setor elétrico. A palavra-chave para a próxima década é rateio e responsabilidade sistêmica.
Visão Geral
A proposta do INESC de instituir o rateio do custo das bandeiras tarifárias entre todos os agentes do setor elétrico, incluindo o mercado livre, visa combater a desigualdade na conta de luz. Atualmente, apenas o consumidor cativo arca com os custos da segurança energética (termelétricas), gerando um efeito “free rider” para grandes empresas que migraram. O Instituto argumenta que este é um custo sistêmico que exige responsabilidade compartilhada para garantir a justiça tarifária e a sustentabilidade do sistema no contexto da expansão do mercado livre.