Presidente Lula Define Pragmatismo na Transição Energética Diante da Realidade dos Combustíveis Fósseis
A declaração presidencial sobre a dificuldade em abandonar os combustíveis fósseis gera debate no Setor Elétrico, equilibrando metas de descarbonização com necessidades de investimento e soberania energética.
Conteúdo
- O Choque Geopolítico e a Transição Energética
- O Pragmatismo Geopolítico: Quem é “Ninguém”?
- A Dicotomia da Foz do Amazonas e o Capital
- O Papel do Hidrogênio Verde e a Tecnologia
- A Visão do Setor Elétrico e o Risco de Imagem
- A Única Condição para a Liberdade Energética
O Choque Geopolítico e a Transição Energética
O Setor Elétrico e a comunidade de energia limpa global receberam com surpresa a declaração do Presidente Lula: “É muito fácil falar fim do combustível fóssil, mas é difícil a gente dizer quem é que tem hoje condições de se libertar. Ninguém tem”. A frase, assertiva e desarmante, resume o dilema brasileiro e a tensão geopolítica em torno da transição energética.
Para um país que se projeta como líder verde na COP 30, a defesa do uso contínuo dos combustíveis fósseis soa como um freio de arrumação no entusiasmo da descarbonização. A mensagem não é para o consumidor doméstico de energia renovável, mas sim para as potências mundiais e para os investidores que exigem clareza sobre o futuro da matriz brasileira.
A transição energética, segundo o presidente, não é uma revolução ideológica, mas um processo gradual, caro e profundamente pragmático. Essa visão contrasta com a urgência científica de zerar emissões, mas encontra ressonância na realidade das grandes economias que ainda dependem do petróleo e do gás.
O cerne da questão para o profissional de energia limpa é entender se essa defesa do combustível fóssil representa um desvio de rota ou uma estratégia de financiamento para que o Brasil mantenha seu protagonismo global em renováveis.
O Pragmatismo Geopolítico: Quem é “Ninguém”?
A tese de que “Ninguém tem condições de se libertar dos combustíveis fósseis” é uma alfinetada direta nas nações desenvolvidas. Lula argumenta que os países ricos, que historicamente mais poluíram, impõem metas agressivas de abandono do petróleo sem oferecer o financiamento e a tecnologia necessários para a mudança.
Na prática, a China ainda queima carvão em escala industrial e os Estados Unidos mantêm a produção recorde de petróleo e gás. O Brasil, detentor de uma das matrizes elétricas mais limpas do planeta (mais de 85% energia renovável), sente-se no direito de usar seus recursos naturais (o petróleo do Pré-Sal e da Margem Equatorial) para garantir o desenvolvimento social e o crescimento econômico.
O discurso reflete o princípio da “responsabilidade comum, mas diferenciada” do Acordo de Paris. O Brasil, um país em desenvolvimento, reivindica o direito de usar seus ativos fósseis como um lastro de segurança e uma fonte de receita indispensável no curto e médio prazo.
Essa visão, embora polêmica, é sustentada por uma análise fria da infraestrutura global. O transporte marítimo, a aviação e grandes indústrias petroquímicas não possuem alternativas viáveis e escaláveis ao petróleo e seus derivados hoje.
A Dicotomia da Foz do Amazonas e o Capital
A declaração de Lula se torna ainda mais relevante quando ligada ao debate sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial, especialmente na Foz do Amazonas. O governo tem defendido ativamente a perfuração, argumentando que as receitas provenientes do novo petróleo serão usadas para financiar a verdadeira transição energética.
A Petrobras, com apoio do MME, vê o novo campo como essencial para a segurança energética e para manter o capital da estatal robusto o suficiente para investimento em energia limpa e descarbonização em outras áreas. É a tese de “Petróleo para o Povo” versus “Planeta Acima de Tudo”.
O dilema é inerente: cada bilhão investido em nova infraestrutura fóssil, como na Margem Equatorial, prolonga a dependência e a inércia do sistema. O Setor Elétrico e a comunidade de energia renovável temem que o lucro do petróleo se torne um vício, adiando indefinidamente o abandono dos combustíveis fósseis.
A chave é a governança desses recursos. Se o dinheiro do petróleo for canalizado para fundos verdes e investimentos em Hidrogênio Verde, armazenamento de energia e modernização da rede, a transição energética pode ser acelerada. Se for usado para cobrir déficits ou subsidiar o consumo, o efeito será contrário.
O Papel do Hidrogênio Verde e a Tecnologia
Lula toca em um ponto técnico crucial ao afirmar que a libertação dos combustíveis fósseis exige tecnologia que ainda não está massificada. O Setor Elétrico sabe que a eletrificação resolve o problema de carros de passeio e grande parte da geração, mas não a totalidade.
Setores de difícil descarbonização (*hard-to-abate*) — como a siderurgia, a produção de cimento e a indústria química — demandam combustíveis de alta densidade energética ou matéria-prima que só o petróleo e o gás natural fornecem hoje.
A grande aposta da transição energética para esses setores é o Hidrogênio Verde (H2V), produzido a partir de energia renovável. O Brasil tem o potencial de ser o maior produtor de H2V do mundo, mas o custo e a escala da tecnologia ainda não permitem a substituição total.
Ao defender a continuidade do combustível fóssil, Lula indiretamente reconhece a imaturidade tecnológica do Hidrogênio Verde e da Captura de Carbono (CCUS) em escala global. O Brasil precisa do petróleo para ter tempo e capital para construir essa nova infraestrutura energética limpa.
A Visão do Setor Elétrico e o Risco de Imagem
Para os *players* de energia renovável, a fala do presidente é um fator de risco na imagem internacional do Brasil. Grandes fundos de investimento ESG (Ambiental, Social e Governança) podem reagir negativamente a qualquer sinal de que o país está priorizando o petróleo em detrimento da sustentabilidade.
O Setor Elétrico tem orgulho de ser majoritariamente limpo. A energia solar, a eólica e as hidrelétricas brasileiras são o principal argumento do protagonismo global do país. O governo precisa conciliar a defesa do combustível fóssil com a promoção agressiva de sua matriz de energia limpa.
A estratégia é apresentar o Brasil como o único país capaz de equilibrar o crescimento econômico com a preservação ambiental. Isso exige que o Setor Elétrico continue acelerando a transição energética, mesmo que o governo mantenha uma porta aberta para o petróleo por mais uma ou duas décadas.
A chave está em não usar a fala de Lula como desculpa para desacelerar o investimento em energia renovável. A meta deve ser tornar o petróleo brasileiro economicamente redundante através da eficiência energética e da competitividade da energia limpa.
A Única Condição para a Liberdade Energética
A afirmação “Ninguém tem condições de se libertar dos combustíveis fósseis” é, no fundo, um desafio. O Brasil está desenvolvendo as condições. A nação tem a maior reserva de energia renovável não utilizada do mundo e o Setor Elétrico mais diversificado da América Latina.
A verdadeira condição para a liberdade é o investimento maciço e planejado em tecnologia e firmeza. Isso inclui:
- Acelerar os leilões de armazenamento de energia (BESS).
- Garantir segurança jurídica para a Geração Distribuída Solar.
- Financiar os *hubs* de Hidrogênio Verde no Nordeste.
Somente com essa infraestrutura de energia limpa despachável, o Brasil poderá, de fato, se libertar dos combustíveis fósseis e refutar, com a tecnologia e a economia, a tese do presidente. A transição energética é um motor de crescimento que, ironicamente, pode se beneficiar do pragmatismo, desde que o foco de longo prazo na sustentabilidade seja mantido.
O legado de Lula será medido por quanto tempo a nação precisou de combustíveis fósseis e por quanto de seu lucro foi, de fato, usado para garantir o protagonismo global em energia limpa. A transição energética é a única rota, e o Setor Elétrico é a locomotiva que precisa seguir em frente, independentemente dos sinais geopolíticos. O pragmatismo deve ser um passo, não o destino final.
























