O Brasil equilibra a queda do desmatamento com a expansão de fósseis no setor elétrico, gerando um dilema estratégico para a agenda climática nacional.
Conteúdo
- O Alívio nas Florestas: Um Fôlego para o Clima
- O Contraponto do Setor Elétrico: Fóssil na Base
- A Questão do Carvão: O Dilema da MP
- Gás Natural: O Mal Necessário com Prazo de Validade
- A Incoerência Estratégica e o Custo Global
- Rumo ao Zero Líquido: Alternativas para a Segurança da Rede
- Visão Geral
O Alívio nas Florestas: Um Fôlego para o Clima
Os dados mais recentes do PRODES/INPE trouxeram um respiro: a taxa de desmatamento em queda na Amazônia e no Cerrado superou 11% no ciclo mais recente. Este é um feito notável que reforça a eficácia das políticas de comando e controle, após anos de taxas alarmantes.
Essa redução é fundamental, pois no Brasil, o desmatamento é historicamente o principal motor das emissões de GEE, superando de longe a energia e a indústria. Diminuir a derrubada de florestas é, portanto, o caminho mais rápido para que o país cumpra suas metas climáticas (NDC) e recupere credibilidade internacional. É um ganho direto para o capital natural brasileiro.
Essa performance positiva no bioma amazônico deveria abrir as portas para uma política energética igualmente ambiciosa. A diplomacia climática brasileira usa esses números como trunfo, mas o mercado sabe que a conta de GEE do país não se fecha apenas com a floresta em pé. O xis da questão está na matriz que alimenta nossas cidades e indústrias.
O Contraponto do Setor Elétrico: Fóssil na Base
Enquanto o verde avança nas políticas ambientais, o cinza persiste nas decisões do setor elétrico. O tema central é o papel crescente das térmicas a gás natural e, de forma mais polêmica, a prorrogação de contratos de geração a carvão, conforme discutido em recentes Medidas Provisórias e debates setoriais. Isso evidencia que os combustíveis fósseis em alta continuam sendo vistos como pilares de segurança.
A justificativa técnica apela à necessidade de “energia firme”. Em um sistema cada vez mais dependente de fontes intermitentes como eólica e solar, a geração térmica é usada para garantir a estabilidade da rede. No entanto, o custo dessa segurança é elevado, tanto economicamente quanto ambientalmente.
A manutenção e expansão desse parque térmico contraria a lógica da transição energética global, que exige a descarbonização acelerada da matriz. Priorizar fontes altamente emissoras, mesmo que em nome da segurança do sistema, é um freio de mão puxado na corrida contra o aquecimento global.
A Questão do Carvão: O Dilema da MP
Um dos pontos mais sensíveis e que ilustra o peso dos combustíveis fósseis em alta é a renovação de contratos de térmicas a carvão. Essas usinas, além de caras e ineficientes, são as maiores emissoras de GEE por unidade de energia. Sua prorrogação envia um sinal perigoso ao mercado e à comunidade climática.
O argumento político e econômico se concentra na manutenção de empregos e na economia regional de áreas carboníferas. Contudo, essa visão de curto prazo ignora o custo de oportunidade de não investir em fontes mais limpas e competitivas, como a eólica offshore e a solar de grande porte, que geram novos empregos de forma sustentável.
Para o profissional de energia, a prorrogação do carvão significa um custo regulatório e ambiental que será internalizado. Em um futuro próximo, com a taxação do carbono cada vez mais próxima, esses ativos se tornarão “encalhados”, pesando no bolso do consumidor e na competitividade do sistema.
Gás Natural: O Mal Necessário com Prazo de Validade
O gás natural é frequentemente vendido como uma ponte na transição energética, menos poluente que o carvão ou óleo. De fato, ele tem seu papel na complementação das renováveis. Contudo, no Brasil, a recente política de contratação de térmicas a gás em regiões remotas do Nordeste e Norte (como parte da expansão da oferta) levanta preocupações.
O gás natural é um combustível fóssil, e a dependência dele representa um atraso na ambição de uma matriz totalmente limpa. O risco é que essa “ponte” se transforme em um “destino” de longo prazo. A infraestrutura de gás tem um ciclo de vida de décadas, o que pode engessar o sistema e dificultar a adoção de tecnologias de zero carbono no futuro.
A comunidade de energia limpa deve insistir que, se o gás for essencial, ele deve ser acompanhado de um plano claro de desativação ou adaptação (captura de carbono, por exemplo). Caso contrário, a bandeira do desmatamento em queda será ofuscada pelo crescimento das emissões de GEE no setor de energia.
A Incoerência Estratégica e o Custo Global
O Brasil não pode ser o país que apaga o incêndio na floresta enquanto acende as turbinas a combustíveis fósseis em alta. Essa incoerência fragiliza nossa posição nas negociações internacionais e a atração de capital de investimento sustentável, o chamado green finance.
Investidores buscam alinhamento com a agenda ESG e a transição energética. Um setor elétrico que prioriza a segurança de ativos poluentes em detrimento da inovação em energia limpa afasta fundos e players internacionais focados em descarbonização. O mundo exige um sinal firme de que a ambição climática é integral, e não apenas florestal.
A matriz brasileira, majoritariamente hídrica e com forte avanço de eólica e solar, é uma das mais limpas do mundo. No entanto, o peso marginal da geração térmica tem um impacto desproporcional na percepção de risco climático.
Rumo ao Zero Líquido: Alternativas para a Segurança da Rede
Para reverter o cenário de combustíveis fósseis em alta, o setor elétrico precisa de coragem regulatória para abraçar novas tecnologias. A “energia firme” não precisa mais ser sinônimo de queima de carbono.
O investimento maciço em sistemas de armazenamento, como baterias de grande escala (utility-scale) ou hidrelétricas com bombeamento (pumped hydro storage), é crucial. Essas soluções podem fornecer a inércia e a flexibilidade que o gás e o carvão prometem, mas com emissão zero.
Além disso, aprimorar a gestão do lado da demanda e modernizar a rede (Smart Grids) pode reduzir a necessidade de picos de geração térmica. O caminho da transição energética passa pela digitalização e pela inteligência, não pela repetição de modelos do século passado.
Visão Geral
O desmatamento em queda nos dá tempo, mas não nos dá licença para procrastinar a descarbonização do nosso sistema de energia. A única matriz que honrará a proteção das florestas é aquela que eliminar o combustível fóssil de sua base. O desafio está lançado: o Brasil pode e deve liderar a solução integral do problema climático. A resposta está nas mãos dos investidores, reguladores e profissionais do nosso dinâmico setor elétrico.























