Conteúdo
- Visão Geral
- O Grito da Operação: Por Que a Flexibilidade se Tornou Prioridade
- A Bateria Hídrica: O Potencial Inexplorado dos Reservatórios
- O Desafio da Modernização do Setor Elétrico e a Regulação
- A Comparação Econômica: Hidro vs. Baterias e Térmicas
- Um Apelo pela Governança Integrada
Visão Geral
O Operador Nacional do Sistema Elétrico ONS soou o alerta máximo: o crescimento da energia renovável intermitente exige uma revolução na forma como o Brasil opera sua matriz. A defesa é clara e direta: é urgente a retomada de hidrelétricas com reservatório operando com maior liberdade e foco na flexibilidade sistêmica. O aviso é um recado direto aos *stakeholders* do Setor Elétrico: sem a “bateria hídrica” otimizada, a segurança energética do país está em risco.
Este não é um clamor pelo retorno à velha hidráulica, mas sim um reconhecimento pragmático. A matriz brasileira está ficando cada vez mais verde, com a explosão da energia eólica e solar. Contudo, a abundância dessas fontes exige um contraponto rápido e confiável para os momentos de baixa geração. É aí que as hidrelétricas com reservatório voltam ao palco, não apenas como geradoras de base, mas como provadoras essenciais de flexibilidade.
O Grito da Operação: Por Que a Flexibilidade se Tornou Prioridade
A flexibilidade é a nova palavra de ordem no Setor Elétrico. Ela se refere à capacidade do sistema de responder rapidamente a variações não planejadas de oferta e demanda. Dez anos atrás, o sistema era dominado pela hidrologia previsível e por termelétricas de base. Hoje, com a intermitência da energia renovável intermitente, a injeção e retirada de energia na rede se tornaram uma montanha-russa.
O ONS, como maestro do sistema, precisa garantir que quando o vento para ou as nuvens cobrem o sol, haja uma fonte de energia capaz de entrar em segundos para suprir o vazio. Esta capacidade de *ramp-up* (aceleração) e *ramp-down* (desaceleração) rápida é vital para evitar desequilíbrios de frequência e blecautes. Sem as hidrelétricas com reservatório, essa resposta rápida exige o acionamento de térmicas mais caras e poluentes.
A defesa do ONS é de que as hidrelétricas com reservatório são os ativos mais eficientes para essa função. Elas combinam grande capacidade instalada com baixíssimos tempos de partida e a ausência do custo de combustível. Transformá-las em “baterias hídricas” de uso estratégico é o caminho mais econômico para garantir a segurança energética e suportar a contínua expansão da energia renovável intermitente.
A Bateria Hídrica: O Potencial Inexplorado dos Reservatórios
Quando se fala em retomada de hidrelétricas com reservatório, não se trata de consumir a água de forma irresponsável, mas de gerenciar o volume de forma mais dinâmica. O valor da água armazenada hoje não é apenas energético, mas de *serviço sistêmico*: usá-la para fornecer flexibilidade quando o sistema mais precisa.
O Brasil tem um patrimônio hídrico invejável, com um volume de armazenamento que serve como um amortecedor contra a intermitência. No entanto, muitas usinas, por questões regulatórias ou ambientais, têm restrições operacionais que impedem seu uso otimizado. O ONS clama por uma revisão dessas regras para liberar o potencial total de flexibilidade desses ativos.
A principal contribuição das hidrelétricas com reservatório é na modulação da geração ao longo do dia, especialmente no final da tarde, quando a energia solar desaparece e o consumo residencial atinge o pico. Este é o momento mais crítico para a segurança energética, e é nesse *gap* que a água armazenada prova seu valor insubstituível.
O Desafio da Modernização do Setor Elétrico e a Regulação
A proposta do ONS esbarra em desafios regulatórios e ambientais complexos. Durante anos, a operação dos reservatórios foi focada na minimização do risco hidrológico e na preservação ambiental, resultando em restrições de *vazão mínima* e *máxima* que limitam a flexibilidade operacional.
Para que as hidrelétricas com reservatório possam prover a flexibilidade necessária, é preciso que a Aneel e os órgãos ambientais (como ANA e Ibama) coordenem esforços para criar regras de operação que reconheçam o novo valor sistêmico da água. Isso exige uma Modernização do Setor Elétrico que transcenda a simples geração de MWh.
A remuneração da flexibilidade também é um ponto de debate econômico crucial. As usinas que operarem para prover esse serviço, com partidas e paradas mais frequentes, terão um desgaste maior. É essencial que o mecanismo de custos setoriais e as Regras de Comercialização prevejam uma remuneração justa para essa função vital de segurança energética.
A Comparação Econômica: Hidro vs. Baterias e Térmicas
Quando o ONS defende a retomada de hidrelétricas com reservatório, ele está fazendo uma análise de custo-benefício. A alternativa mais rápida para a flexibilidade hoje seria o acionamento de térmicas a gás, mas estas têm um Custo Variável Unitário (CVU) altíssimo e uma pegada de carbono incompatível com as metas de energia limpa.
A longo prazo, as baterias de grande escala (BESS) surgem como alternativa ideal para a energia renovável intermitente, mas o custo de investimento (*capex*) ainda é elevado no Brasil. A integração das hidrelétricas com reservatório é, portanto, a solução de transição de melhor custo-benefício, utilizando infraestrutura já amortizada para otimizar a matriz.
A Modernização do Setor Elétrico exige que se pense em soluções híbridas. Usinas hidrelétricas podem, inclusive, ser equipadas com pequenos módulos de bateria e sistemas de controle mais avançados para maximizar sua flexibilidade e responder ainda mais rapidamente aos comandos do ONS.
Um Apelo pela Governança Integrada
O alerta do ONS não pode ser ignorado. A expansão da energia limpa é uma vitória de sustentabilidade, mas ela só será sustentável se for acompanhada de mecanismos robustos de segurança energética. A retomada de hidrelétricas com reservatório como provedoras de flexibilidade é o caminho mais rápido e eficiente.
Para que isso ocorra, é necessário um pacto setorial que envolva geradores, reguladores e o poder público. É preciso desburocratizar a operação, remunerar adequadamente o serviço de flexibilidade e reconhecer o papel da água como um ativo estratégico que vai além da geração de base.
O ONS joga a bola para o campo da política energética: a Modernização do Setor Elétrico depende da nossa capacidade de inovar na gestão do que já temos. Aproveitar a flexibilidade das hidrelétricas com reservatório é a chave para garantir que o Brasil continue a expandir sua matriz verde sem colocar em xeque a luz do consumidor final. O momento da decisão é agora, antes que a intermitência crie um apagão de confiança.