O Ministério da Fazenda avança com propostas para antecipar o fim de subsídios à Geração Distribuída (GD) e incluir este segmento no rateio do curtailment, visando a sustentabilidade fiscal do setor elétrico
Conteúdo
- O Fisco Exige a Conta: A Pressão sobre o Desconto da GD
- Ameaça ao Passado: A Revisão da GD 1
- O Fenômeno do Curtailment e Seus Custos
- Injustiça Tarifária ou Equidade Sistêmica?
- O Futuro da GD e o Alívio da CDE
O Fisco Exige a Conta: A Pressão sobre o Desconto da GD
O principal mecanismo de incentivo à GD tem sido o desconto total nos componentes tarifários de uso da rede (TUSD e TUST) para a energia injetada. Esse desconto, pago por todos os demais consumidores via Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), tornou a GD extremamente atraente, mas criou um fardo bilionário para o Tesouro e a tarifa.
A tese da Fazenda é direta: a GD já atingiu a maturidade tecnológica e econômica. Continuar subsidiando a GD em seu atual ritmo é socialmente injusto, pois transfere riqueza de consumidores de baixa renda para projetos de energia limpa que, em muitos casos, são altamente rentáveis. Por isso, a proposta de antecipar o fim do desconto é vista pelo governo como uma medida de saneamento fiscal e tarifário.
A urgência em antecipar o fim do desconto reflete a incapacidade do Tesouro de absorver o crescimento exponencial da GD. O Brasil viu a potência instalada saltar para mais de 30 GW, e cada novo megawatt instalado aumenta o peso na CDE. A Fazenda defende que o *payback* dos investimentos em GD ainda é atrativo, mesmo com a redução gradual ou a imposição de um teto (como R$ 35-R$ 40/MWh) para o desconto.
Ameaça ao Passado: A Revisão da GD 1
Um dos pontos mais sensíveis da proposta é a intenção de mexer nos direitos adquiridos. A Fazenda sugere revisar o prazo de isenção para a chamada GD 1, que engloba os projetos instalados antes da Lei 14.300/2022. Atualmente, esses projetos têm direito ao desconto completo até 2045. A proposta ventilada é reduzir esse prazo para 2030, criando uma insegurança jurídica inédita no setor elétrico.
Essa antecipação no prazo da GD 1 provocaria uma reação furiosa do mercado. Investidores de longo prazo basearam seus modelos de negócios na previsibilidade até 2045. Mudar as regras *ex post facto* é um sinal de alto risco regulatório que pode esfriar novos investimentos em todo o setor elétrico, afetando inclusive a energia limpa de grande porte. A Fazenda argumenta que a oneração da tarifa exige a reavaliação de todos os subsídios, inclusive os históricos.
A alternativa à isenção total até 2045 seria uma redução gradual de 10 pontos percentuais por ano no desconto concedido. Essa modulação, embora menos agressiva, ainda antecipa o fim do desconto de forma significativa e exige uma reestruturação financeira profunda para muitos *players* de GD. O setor clama por estabilidade para garantir a continuidade dos investimentos em energia limpa.
O Fenômeno do Curtailment e Seus Custos
O segundo pilar da proposta da Fazenda é o rateio do curtailment. O curtailment é o nome dado à restrição de despacho de usinas de energia limpa (eólicas e solares de grande porte) que ocorre quando o sistema de transmissão não tem capacidade para escoar toda a geração em determinados horários e locais.
Este problema técnico gera um custo sistêmico: o Operador Nacional do Sistema (ONS) precisa compensar financeiramente os geradores cuja produção foi cortada. A Fazenda defende que a Micro e Minigeração Distribuída (MMGD) contribui para a sobrecarga das redes de distribuição e, portanto, deve participar do rateio do curtailment.
Hoje, a GD está isenta desse custo, mas ela é majoritariamente instalada nos transformadores de distribuição. Quando a GD injeta energia na rede, ela pode, em picos de sol ou vento, saturar a capacidade local, dificultando o escoamento e, indiretamente, contribuindo para a necessidade de curtailment em outros pontos do sistema interligado nacional.
Injustiça Tarifária ou Equidade Sistêmica?
A inclusão da GD no rateio do curtailment alinha-se ao princípio do “usuário pagador”. A lógica é que, se a GD se beneficia da rede, ela deve compartilhar os custos inerentes à operação e à sustentabilidade do sistema. O custo do curtailment tem crescido exponencialmente no Brasil, impulsionado pela rápida expansão da energia limpa em áreas com infraestrutura de rede limitada.
Para a Fazenda, não basta antecipar o fim do desconto da GD; é preciso que ela se torne um *player* sistêmico completo. Incluir a GD no rateio do curtailment seria uma forma de internalizar um custo que hoje é diluído no subsídio. A medida forçaria a GD a considerar a capacidade locacional da rede em seus investimentos, incentivando a instalação em áreas onde a rede pode absorver a energia sem sobrecargas.
O setor de GD contra-argumenta que as distribuidoras devem ser as responsáveis por expandir e modernizar suas redes para acomodar a energia limpa. Impor o rateio do curtailment aos pequenos geradores é visto como um desestímulo e uma penalidade por um problema de planejamento de rede que é responsabilidade das concessionárias e do governo.
O Futuro da GD e o Alívio da CDE
O pacote de propostas da Fazenda tem um objetivo maior: reduzir a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e, assim, a tarifa de eletricidade. O setor elétrico sabe que o tempo dos subsídios irrestritos acabou. A GD precisa evoluir para um modelo de negócio onde sua competitividade resida em sua eficiência operacional e não em seu desconto tributário/tarifário.
A antecipação do fim do desconto e o rateio do curtailment são sinais claros de que o governo está disposto a enfrentar o alto custo regulatório da GD. A solução ideal, defendida por especialistas em energia limpa, passaria por:
- Sinais Locacionais: Implementar mecanismos de preço que sinalizem a saturação da rede, direcionando novos investimentos em GD para locais mais eficientes.
- Armazenamento de Energia: Incentivar leilões de sistemas de baterias para mitigar o curtailment, permitindo que a GD e outras renováveis armazenem o excesso em vez de serem despachadas.
Em última análise, as propostas da Fazenda forçam o setor elétrico a amadurecer. O futuro da GD não está em um desconto estatal, mas na capacidade de gerar energia limpa de forma eficiente e em equilíbrio com a rede. O debate sobre a antecipação do fim do desconto e o rateio do curtailment definirá o novo contrato social da energia no Brasil.
Visão Geral
A Fazenda propõe o fim precoce do subsídio tarifário da GD e a participação obrigatória no rateio do curtailment. Estas medidas visam a saúde fiscal da CDE e a internalização de custos sistêmicos pelas renováveis descentralizadas, redefinindo a sustentabilidade no setor elétrico.
























