A inadimplência fiscal da Light paralisa a renovação de sua concessão, expondo fragilidades na governança do setor elétrico fluminense.
Conteúdo
- Visão Geral
- O Crivo Fiscal Inegociável da ANEEL
- Recuperação Judicial e o Dilema da Dívida
- Investimentos e o Freio na Transição Energética
- Risco Sistêmico: O Cenário de Caducidade
- O Próximo Capítulo: Transparência e Disciplina
Visão Geral
A renovação da concessão da Light, peça-chave na estabilidade e segurança energética do estado do Rio de Janeiro, está em um impasse regulatório de alta voltagem. O obstáculo imediato, e surpreendentemente tangível, é a ausência de regularidade fiscal da empresa. Em meio a um complexo processo de Recuperação Judicial (RJ), a Light não consegue apresentar as certidões necessárias, sendo a quitação de IPTU e outros tributos municipais um dos pontos mais sensíveis e urgentes. Sem essa prova de adimplência, a outorga para operar a distribuição de energia por mais 30 anos está suspensa.
O drama transcende o balanço da Light. Para o setor elétrico, esta situação é um alerta máximo de governança. Uma concessionária de serviço público essencial, que lida com capital intensivo e é vital para a transição energética em um dos maiores mercados do país, precisa demonstrar rigor fiscal absoluto. A dívida acumulada de IPTU e ISS (Imposto Sobre Serviços) com os municípios, especialmente com a prefeitura do Rio de Janeiro, representa mais do que um débito; simboliza uma crise de disciplina de capital que a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e o MME (Ministério de Minas e Energia) não podem tolerar.
O Crivo Fiscal Inegociável da ANEEL
Os critérios definidos pela regulamentação para a renovação da concessão são inflexíveis. Entre eles, o cumprimento integral das obrigações legais e regulatórias é o primeiro passo. Isso inclui a apresentação das Certidões Negativas de Débito (CNDs) nos níveis federal, estadual e municipal. A quitação de IPTU e de outras obrigações fiscais municipais, embora pareça uma questão administrativa trivial, é, neste contexto, o pilar da legalidade da concessão.
A ANEEL e o MME agem sob a premissa de que a Distribuição de Energia exige um parceiro solvente e confiável. Uma empresa que deve milhões em impostos básicos sinaliza que seu fluxo de caixa e sua gestão de prioridades estão comprometidos. Permitir a renovação da concessão por 30 anos a uma devedora crônica seria abrir um precedente perigoso para a governança do setor elétrico e minar a confiança do mercado.
O debate, portanto, não é sobre se a Light pode ou não pagar, mas sim sobre como a Recuperação Judicial impacta essa obrigação. Embora a RJ ofereça um guarda-chuva contra a execução de dívidas privadas, ela não suspende automaticamente a exigência de regularidade fiscal para a manutenção de contratos com o Poder Concedente. A Light precisa encontrar uma solução que satisfaça a legislação tributária e a regulamentação do setor elétrico simultaneamente.
Recuperação Judicial e o Dilema da Dívida
A entrada da Light em Recuperação Judicial em 2023, com uma dívida declarada de cerca de R$ 11 bilhões, colocou o tema da quitação de IPTU em um limbo. A empresa argumenta que a negociação dos débitos fiscais deve ser tratada dentro do Plano de RJ, que busca preservar a operação e reestruturar o passivo. Contudo, os municípios, liderados pela prefeitura do Rio de Janeiro, insistem que os débitos fiscais não podem ser tratados como dívidas comuns.
O impasse é agudo: se a Light paga o IPTU e outros impostos fora do Plano de RJ, ela pode ser acusada por outros credores de favorecimento. Se não pagar, ela perde a concessão, e a Recuperação Judicial perde o objeto. A solução mais provável é uma negociação que resulte em parcelamentos robustos e garantidos dos tributos, permitindo à Light obter a CND provisória necessária para avançar com o processo de renovação da concessão.
A complexidade da Recuperação Judicial mostra que o setor elétrico e o Judiciário precisam de uma coordenação inédita para resolver o caso. A Light é um ativo sistêmico; sua falência regulatória devido à inadimplência de IPTU e ISS não pode ser resolvida apenas com regras de insolvência. A segurança do suprimento de energia no Rio de Janeiro é a prioridade.
Investimentos e o Freio na Transição Energética
O principal custo da incerteza sobre a renovação da concessão é o freio nos investimentos de longo prazo. A área de concessão da Light é a mais crítica do país em termos de perdas não técnicas (o famoso “gato”), que chegam a patamares insustentáveis. A ANEEL exige da Light um plano de investimentos robusto e bilionário para modernizar a rede e combater o roubo de energia.
Sem a certeza de operar por mais 30 anos, a Light não consegue acesso a financiamento de longo prazo. Isso afeta diretamente a transição energética. A região metropolitana do Rio de Janeiro precisa urgentemente de smart grids (redes inteligentes) para gerenciar o crescimento da geração distribuída (GD) solar e para suportar o avanço da mobilidade elétrica.
O atraso na quitação de IPTU e na renovação da concessão significa que a infraestrutura de Distribuição de Energia continua operando no limite, aumentando o risco de falhas no fornecimento e comprometendo a capacidade do Rio de Janeiro de cumprir metas de sustentabilidade urbana. A falta de governança fiscal se torna um entrave operacional para a energia limpa.
Risco Sistêmico: O Cenário de Caducidade
Caso a Light não consiga resolver o impasse do IPTU e os outros requisitos de governança a tempo, o risco de caducidade da concessão se torna real. A caducidade é o fim do contrato por descumprimento grave. Esse cenário levaria o governo federal a intervir e, em seguida, iniciar um processo de relicitação, o que demandaria anos de instabilidade.
Uma eventual relicitação da Distribuição de Energia do Rio seria uma operação gigantesca e complexa, dadas as especificidades geográficas e operacionais da área. O mercado de investimentos ficaria paralisado, e a qualidade do serviço cairia drasticamente no período de transição, com graves consequências para a segurança energética nacional.
O setor elétrico torce por uma solução negociada que preserve a concessão sob nova governança e com um plano de investimentos sólido. A exigência de quitação de IPTU da ANEEL é um filtro para garantir que a Light que sairá da Recuperação Judicial será uma empresa financeiramente mais disciplinada e capaz de assumir um compromisso de 30 anos com a sustentabilidade e a qualidade do serviço.
O Próximo Capítulo: Transparência e Disciplina
O foco regulatório na quitação de IPTU e outros débitos fiscais é a prova de que a governança e a transparência são os verdadeiros desafios da Light. A empresa precisa convencer o Poder Concedente de que tem um plano exequível para honrar suas dívidas e, ao mesmo tempo, financiar os investimentos necessários para a modernização.
O caminho envolve o uso inteligente dos mecanismos da Recuperação Judicial para renegociar os débitos fiscais municipais e federais, garantindo a emissão das CNDs. O MME e a ANEEL estão dispostos a renovar, mas não a qualquer custo. A renovação da concessão deve vir acompanhada de um reforço da governança corporativa, com metas rigorosas e monitoramento constante.
A quitação de IPTU da Light é, portanto, mais do que uma pendência contábil; é um símbolo de sua capacidade de se reerguer e de seu compromisso com a legalidade regulatória. O futuro da Distribuição de Energia no Rio de Janeiro e o ritmo da transição energética na metrópole dependem de a Light provar que aprendeu a lição fundamental de que uma concessão de 30 anos exige, antes de tudo, governança impecável.