O painel “Esperançar em tempos de mudanças climáticas” abriu os debates temáticos da 14ª edição do Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais, do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), com um chamado claro: a crise climática já está em curso — e é preciso agir com coragem moral, rigor técnico e intencionalidade política.
A COP30 como Plataforma de Ação
Alice Amorim, diretora da Presidência da COP30, destacou o papel da próxima conferência climática da ONU como uma oportunidade real de transformar compromissos globais em ações locais. “Nas últimas 30 COPs, avançamos na regulação. Agora, precisamos avançar na implementação. E para isso não é necessário que os 196 países estejam de acordo em tudo”, afirmou. Segundo ela, a COP30 se estrutura em três grandes eixos: fortalecimento do multilateralismo, aproximação do tema climático à vida das pessoas, e ativação da agenda de ação, espaço que deve reunir governos, empresas e filantropia para tirar soluções do papel.
Alice também alertou sobre o esgotamento do paradigma de que a mudança climática é um problema das futuras gerações. “Estamos vivendo o colapso agora. A Amazônia, por exemplo, é um dos pontos de não retorno. A alteração do ecossistema já em curso pode ser irreversível”, disse. Em áreas como saúde e educação, os impactos já se mostram brutais. “Como garantir qualidade de ensino com ondas de calor extremo nas escolas públicas? Como entregar medicamentos em comunidades isoladas da Amazônia durante secas severas? A filantropia precisa incorporar o clima como eixo transversal de atuação.”
Justiça Climática e Desigualdade Social
Essa conexão entre clima e desigualdade foi o centro da fala de Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam Brasil, que destacou que a justiça climática exige o enfrentamento das estruturas de opressão que organizam a sociedade. “Os desastres não afetam a todos igualmente. Somos uma sociedade racialmente desigual. E os dados mostram: no Rio Grande do Sul, pessoas negras receberam menos ajuda humanitária do que pessoas brancas”, afirmou. Para ela, não é possível proteger o meio ambiente sem proteger os modos de vida tradicionais, as culturas religiosas marginalizadas e os territórios vulnerabilizados. “Se não combatemos o racismo religioso, por exemplo, também deixamos de enfrentar a crise climática.”
Viviana também provocou o setor filantrópico: “Esperançar é assumir responsabilidade. A filantropia precisa ter a coragem de apontar quem tem poluído, quem tem acumulado riqueza à custa do colapso climático. Modos de vida baseados no luxo são modos de vida poluidores. E quem sustenta esses modos de vida precisa ser responsabilizado.”
Do Modelo Reativo ao Proativo na Filantropia
Patricia McIlreavy, presidente e CEO do Center for Disaster Philanthropy, trouxe a perspectiva global e lembrou que os desastres climáticos se tornaram o “novo normal”. “Não estamos mais falando de eventos raros. Enchentes, queimadas e ondas de calor são constantes — e recaem de forma desproporcional sobre as comunidades vulneráveis”, disse.
Ela defendeu uma virada no modelo de financiamento filantrópico, passando do modelo reativo para o proativo, com confiança e investimento direto em soluções desenhadas pelas próprias comunidades.
“Desastre é quando um perigo encontra uma vulnerabilidade. A pobreza, o racismo, o subfinanciamento da saúde criam essas vulnerabilidades. E a recuperação leva muito mais tempo do que os ciclos de atenção da mídia e dos financiadores.”
Ao final, o painel deixou claro que esperançar, no contexto climático, é agir com intenção, reconhecer desigualdades históricas e fortalecer o protagonismo de quem já constrói soluções na ponta. A filantropia, mais do que um agente de financiamento, é chamada a ser um megafone político, capaz de denunciar injustiças e construir futuros com equidade e dignidade.