Corte expressivo de subsídios a combustíveis fósseis em 2024 indica um ponto de inflexão na política energética nacional rumo à descarbonização.
Conteúdo
- Visão Geral
- A Força da Reoneração e o Impacto Fiscal
- Descarbonização Genuína e Competitividade
- A Contradição que Persiste na Matriz Energética
- O Risco de Atender ao Acordo de Paris no “Gerúndio”
- Oportunidade Estrutural para Investimento em Renováveis
- O Legado da Mudança: Além do Preço
Visão Geral
O Brasil deu um passo crucial, e surpreendente, em direção à descarbonização de sua economia. Pela primeira vez em oito anos, os subsídios a combustíveis fósseis no país registraram uma queda expressiva de 42% em 2024, de acordo com dados do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Essa redução histórica, que movimentou cerca de R$ 47 bilhões em 2024, lança luz sobre uma potencial mudança estrutural na política energética nacional. Para o mercado de eletricidade e renováveis, este é o sinal mais claro de que o preço da inação ambiental está começando a ser repassado.
O corte marca uma quebra na tendência que vinha consolidando o Brasil como um dos países que mais subsidiava commodities poluidoras, apesar de ter uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo em geração de eletricidade. O movimento, ainda que impulsionado majoritariamente por razões fiscais e não puramente ambientais, redefine a competitividade entre as fontes e injeta uma dose de realismo econômico no debate da transição energética.
A Força da Reoneração e o Impacto Fiscal
A principal alavanca dessa redução não foi um novo programa verde, mas sim a reoneração de tributos federais sobre a gasolina e o diesel, implementada no início de 2024. A retirada de isenções, que haviam sido aplicadas em ciclos anteriores para controlar a inflação e os preços ao consumidor, teve o efeito colateral de reduzir drasticamente os subsídios a combustíveis fósseis.
Essa medida, de natureza fiscal e econômica, acabou por produzir um benefício ambiental inegável. Ao encarecer o diesel e a gasolina, a reoneração não apenas melhorou as contas públicas, mas também diminuiu a vantagem artificial que esses combustíveis tinham sobre o etanol e, indiretamente, sobre a eletrificação e o Gás Natural (GN) em setores como o transporte de cargas e frotas leves.
Descarbonização Genuína e Competitividade
Para o setor de renováveis, especialmente solar, eólica e biometano, a diminuição dos subsídios a combustíveis fósseis é uma vitória de mercado. O setor elétrico sempre clamou por um level playing field (igualdade de condições) onde os custos ambientais (externalidades) do carbono fossem precificados. Quando o governo deixa de injetar bilhões em isenções fiscais para o diesel, as fontes limpas se tornam, por natureza, mais atraentes e financeiramente viáveis.
Essa mudança na política energética atua como um impulso indireto para a descarbonização. Ela incentiva a migração de capital e de consumo para soluções de menor emissão, acelerando o retorno de investimento em projetos de infraestrutura verde. O custo de capital para projetos de renováveis tende a se tornar ainda mais atraente, pois o risco de concorrência predatória subsidiada diminui.
A Contradição que Persiste na Matriz Energética
Apesar do corte de 42%, é crucial contextualizar que o Brasil ainda mantém um volume colossal de incentivos aos combustíveis fósseis. O Inesc aponta que, mesmo com a redução, o país continua concedendo dezenas de bilhões de reais em benefícios fiscais e tributários a atividades de petróleo e gás. A diminuição de 42% representa um avanço, mas a conta dos subsídios remanescentes ainda é extremamente alta.
O grande desafio da política energética é transformar essa redução pontual em uma política estrutural e permanente. Muitos dos incentivos restantes estão enraizados em legislações complexas e antigas, favorecendo a exploração, produção e refino de petróleo e gás. A transição energética plena exige o desmonte progressivo e planejado de todo o arcabouço de benefícios fiscais que distorcem o mercado em favor dos Gases de Efeito Estufa (GEE).
O Risco de Atender ao Acordo de Paris no “Gerúndio”
O debate sobre a manutenção de benefícios ao petróleo e gás coloca em xeque a credibilidade do Brasil em relação aos seus compromissos internacionais. Analistas alertam que a manutenção dos subsídios restantes pode elevar as emissões brasileiras em mais de 20% até 2050. Esse cenário ameaça diretamente o cumprimento do Acordo de Paris e desvaloriza a liderança que o Brasil busca na agenda climática.
A política energética precisa harmonizar as metas de produção de petróleo e gás (importantes para a balança comercial) com a urgência da descarbonização. O setor elétrico limpo, com sua expansão em eólica e solar, já faz sua parte, mas o elo fraco está nos transportes e na indústria pesada. Os recursos economizados com a redução dos subsídios a combustíveis fósseis deveriam ser realocados diretamente para acelerar a eletrificação e a adoção de biocombustíveis avançados.
Oportunidade Estrutural para Investimento em Renováveis
A queda dos subsídios é uma janela de oportunidade para o mercado de renováveis e eficiência energética. O Brasil precisa de um planejamento que não apenas corte gastos com fósseis, mas que também destrave o capital para projetos limpos. Isso significa simplificar a regulação, garantir linhas de crédito verde e acelerar a infraestrutura de transmissão para conectar as novas usinas renováveis e as usinas de biometano aos centros de consumo.
A redução de R$ 47 bilhões em incentivos cria um precedente poderoso: é possível desonerar o estado e, ao mesmo tempo, impulsionar a agenda climática. O próximo passo da política energética deve ser a criação de um fundo de transição energética que receba esses recursos e os utilize em pesquisa, desenvolvimento e apoio tecnológico para substituir o diesel e o carvão nos pontos mais críticos da matriz energética.
O Legado da Mudança: Além do Preço
A notícia da redução dos subsídios a combustíveis fósseis deve ser lida pelos profissionais do setor como um imperativo de mercado: a era da energia barata, mas suja, está se tornando insustentável financeiramente para o Estado. O Brasil caminha, ainda que lentamente, para precificar a descarbonização como um ativo estratégico.
O desafio agora é garantir que essa redução de 42% não seja um evento isolado, revertido em futuras crises de preço. A política energética exige coragem para formalizar a extinção dos subsídios a combustíveis fósseis remanescentes, garantindo que o Brasil utilize sua liderança em renováveis para construir um futuro energético verdadeiramente limpo, resiliente e descarbonizado. A transição energética se consolida quando o dinheiro público deixa de subsidiar o passado e passa a investir no futuro.
























