Conteúdo
- Silveira Nega Apagão e Setor Elétrico Cobra Resiliência da Interligação Nacional
- A Contradição da Definição Técnica
- O Desafio da Intermitência na Interligação Nacional
- A Questão da Resiliência da Transmissão
- Implicações Econômicas e Tarifárias
- O Papel do ONS e a Cobrança por Transparência
- Investimento em Soluções Inteligentes
- Conclusão: A Resiliência como Prioridade Nacional
Silveira Nega Apagão e Setor Elétrico Cobra Resiliência da Interligação Nacional
O setor elétrico brasileiro, habituado à precisão técnica, reagiu com ceticismo à declaração do Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que afirmou categoricamente: “Não tivemos apagão no nosso governo”. A frase surge após o país enfrentar a segunda interrupção massiva e sistêmica em menos de três anos, episódios que expuseram as vulnerabilidades da interligação nacional. Para o público especializado em energia limpa e *grid management*, o debate transcende a semântica política. O que importa é a falha na frequência, a perda de carga e, principalmente, a resiliência do sistema em face da crescente integração de energia renovável intermitente.
A fala do Ministro, embora politicamente defensiva, confronta a experiência técnica do ONS (Operador Nacional do Sistema), que precisou interromper o fornecimento a milhões de consumidores para evitar um colapso total da rede. O apagão de 2023, e o mais recente, demonstram que, independentemente da nomenclatura utilizada, o sistema sofreu uma perda de sincronismo e uma cascata de desligamentos automáticos. Este é o verdadeiro cerne da questão para engenheiros e economistas: a segurança energética nacional.
A Contradição da Definição Técnica
A insistência de Silveira em negar o termo “apagão” sugere uma distinção entre uma falha localizada e um colapso total (*blackout* em sua acepção mais severa). No entanto, para o setor elétrico, a interrupção generalizada do fornecimento por uma falha sistêmica no Sistema Interligado Nacional (SIN) *é* um apagão. A ocorrência de dois eventos tão graves em um curto período indica que o problema não é a falta de energia em si (o Brasil tem excedente), mas a incapacidade da rede de transmissão de absorver e redistribuir essa energia de forma estável.
A análise técnica do ONS aponta para eventos de *contingência* que evoluíram para perdas significativas de carga. Isso levanta questionamentos profundos sobre o planejamento da expansão da transmissão, que não acompanhou o ritmo vertiginoso da energia renovável. A credibilidade regulatória exige transparência sobre as causas-raízes e sobre a eficácia dos esquemas de proteção adotados para isolar falhas.
O Desafio da Intermitência na Interligação Nacional
O crescimento exponencial da energia solar e eólica, fontes cruciais para a transição energética, trouxe um novo desafio à estabilidade do SIN. Essas fontes são intermitentes e, muitas vezes, localizadas longe dos grandes centros de consumo, especialmente no Nordeste. Essa concentração de geração *não síncrona* exige uma resposta muito mais rápida e flexível da rede.
Cada apagão serve como um doloroso lembrete: a interligação nacional precisa de maior inércia e flexibilidade. Os investimentos em armazenamento de energia (baterias em larga escala) e em soluções de *grid forming* são urgentes. Não basta ter energia limpa abundante; é preciso ter a capacidade de gerenciar sua injeção e saída sem comprometer a frequência do sistema.
A Questão da Resiliência da Transmissão
A verdadeira fragilidade do setor elétrico reside nos gargalos da transmissão. O Brasil depende de poucas linhas de alta capacidade para escoar a produção do Nordeste (eólica e solar) e do Norte (hidrelétrica) para o Sudeste e Sul. Uma falha em um desses *eixos críticos* pode facilmente desencadear a cascata que leva ao apagão.
Profissionais cobram mais redundância e o fim dos atrasos em obras estratégicas. O apagão expôs que a infraestrutura física não está acompanhando a maturidade da geração. A segurança energética passa pela blindagem dos troncos de transmissão, garantindo que o SIN consiga se recompor rapidamente de *contingências* severas sem que milhões de unidades consumidoras sejam desligadas.
Implicações Econômicas e Tarifárias
Embora o foco do Ministro Silveira fosse político, as falhas sistêmicas têm um custo econômico altíssimo, não apenas em produtividade perdida, mas também em aumento de encargos. Cada evento de apagão pode levar à necessidade de contratação de reserva de capacidade mais cara ou de reforço nos mecanismos de segurança energética.
Isso impacta a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e, consequentemente, a tarifa. O setor elétrico precisa garantir que os custos de mitigação desses riscos sejam alocados de forma justa. A falta de resiliência da interligação nacional gera um *prêmio de risco* que é pago por toda a sociedade, penalizando o desenvolvimento da energia limpa.
O Papel do ONS e a Cobrança por Transparência
O ONS, órgão técnico responsável pela coordenação e controle da operação, é a peça central no esclarecimento desses eventos. As análises detalhadas das ocorrências, com informações precisas sobre a atuação dos esquemas de proteção e os *trip points* das usinas, são fundamentais. A confiança do setor elétrico na gestão do SIN exige máxima transparência e o reconhecimento explícito das falhas operacionais.
Não se trata apenas de corrigir uma linha de transmissão. Trata-se de revisar os modelos de simulação, os protocolos de emergência e, crucialmente, garantir que os investimentos em T&D sejam acelerados. O futuro do setor elétrico, cada vez mais dependente da energia renovável, exige uma operação que beira a perfeição, algo que os recentes apagões provaram não ser a realidade.
Investimento em Soluções Inteligentes
O caminho a seguir não é desacelerar a transição energética, mas torná-la mais inteligente. A pauta regulatória deve priorizar o incentivo a projetos de *smart grid*, sistemas de medição avançada e, sobretudo, a integração de recursos energéticos distribuídos. O apagão é um sinal claro de que a infraestrutura legada não consegue mais suportar o volume e a dinâmica da geração moderna.
O mercado de energia limpa tem a tecnologia necessária, mas falta o sinal regulatório forte. A declaração de Silveira, ao tentar minimizar a crise, pode desviar o foco da necessidade urgente de reformas estruturais e de um plano de investimento massivo para transformar a interligação nacional em uma rede verdadeiramente robusta e *digital*. O setor elétrico exige ações, não retórica.
Visão Geral: A Resiliência como Prioridade Nacional
O questionamento sobre o termo “apagão” obscurece o fato de que milhões de brasileiros ficaram sem energia por falha do sistema. Para os profissionais do setor elétrico, a prioridade é clara: investir na resiliência da interligação nacional. Enquanto o Brasil celebra sua abundância em energia renovável, é vital reconhecer que a segurança energética é definida pela capacidade da rede de resistir e se recuperar de choques. A declaração do Ministro Silveira serve apenas para sublinhar a desconexão entre a percepção política e as demandas técnicas e operacionais urgentes do sistema de energia do país.