A sanção da Medida Provisória 1304 com vetos específicos gera incerteza, afetando a previsibilidade de investimentos e a estrutura de custos da energia no Brasil.
Conteúdo
- O Veto que Tocou o Calcanhar de Aquiles das Renováveis
- A Questão da Fonte Inflexível e o Custo ao Consumidor
- O Cabo de Guerra do Petróleo e a Petrobras
- Segurança Jurídica e o Risco Regulatório
- O Futuro da Geração Distribuída e a Agenda de Sustentabilidade
- Visão Geral
O Veto que Tocou o Calcanhar de Aquiles das Renováveis
O ponto mais sensível para o setor de energias renováveis, especialmente eólica e solar, foi o veto à emenda que previa o ressarcimento aos geradores pelo chamado curtailment (restrição de despacho). Esta palavra, antes técnica, virou um termo de guerra no mercado.
O curtailment ocorre quando a geração de energia, predominantemente eólica ou solar, precisa ser reduzida porque o sistema de transmissão não consegue escoar toda a potência gerada, ou por excesso de oferta. Geradores argumentavam que, ao não serem compensados, sofriam um risco regulatório injusto.
Para os investidores em energia limpa, a ausência de compensação sinaliza uma ameaça à previsibilidade. Projetos de grande porte, fundamentados em estudos de fluxo de caixa que consideravam esta garantia, veem agora seu retorno financeiro sob nova pressão. O mercado teme que o veto esfrie o ímpeto de novos investimentos.
Esse veto específico da MP 1304 reforça a percepção de que, apesar do discurso pró-sustentabilidade, a segurança operacional do sistema e a estabilidade de preços no curto prazo prevalecem. É um dilema complexo: a intermitência das fontes renováveis exige contrapartidas onerosas para a infraestrutura.
A Questão da Fonte Inflexível e o Custo ao Consumidor
Outro eixo de tensão da MP 1304 está na manutenção da contratação obrigatória de energia de fontes inflexíveis, tipicamente termelétricas a gás. Essa medida foi vista pelo Congresso como uma forma de garantir segurança energética, mas é encarada pelo setor de energia limpa como um peso extra.
Consumidores e associações de distribuidores, como a Abradee, argumentaram que a manutenção da obrigação sem os devidos ajustes poderia levar a um aumento significativo nas tarifas. O elo é direto: a contratação de energia mais cara e inflexível é repassada, em última instância, para a conta de luz.
O governo, ao vetar trechos que limitavam ou alteravam radicalmente essa obrigação, buscou um equilíbrio, mas desagradou quem defende o barateamento da energia via maior abertura de mercado. Especialistas em economia da energia alertam para o impacto inflacionário persistente.
Para a indústria e grandes consumidores, o custo da energia é um fator de competitividade. A MP 1304 e seus vetos falharam em apresentar uma solução definitiva para reduzir a exposição desses agentes aos custos “extra-bandeira” e encargos que engessam o preço final.
O Cabo de Guerra do Petróleo e a Petrobras
Um dos vetos mais politicamente carregados da MP 1304 envolveu a revisão de preços do barril de petróleo usado como referência para os contratos de gás natural. A emenda aprovada pelo Congresso visava beneficiar refinarias privadas e consumidores de gás, pressionando por um preço mais baixo.
O veto presidencial, articulado pela Casa Civil, atendeu diretamente aos interesses da Petrobras, a principal fornecedora de gás. Manter a metodologia de cálculo atualizada protege a receita da estatal, mas gera insatisfação entre aqueles que esperavam uma redução nos custos energéticos industriais.
Este episódio revela a profunda divisão dentro do próprio governo sobre a política energética. De um lado, o Ministério de Minas e Energia, buscando a modernização; de outro, as forças políticas que defendem os interesses de empresas estatais estratégicas.
A reação do mercado financeiro a esse veto foi de alívio para os acionistas da Petrobras (PETR4), mas de frustração para o segmento de gás natural e industriais que dependem de insumos energéticos mais baratos para operar e manter a competitividade global.
Segurança Jurídica e o Risco Regulatório
A principal preocupação dos investidores internacionais no setor de energias renováveis, como a solar e a eólica, não é apenas o custo, mas a estabilidade das regras. O vai e vem da MP 1304 e a incerteza em torno dos vetos criam um ambiente de elevado risco regulatório.
A cada mudança, o capital estrangeiro recalcula o payback dos projetos. A capacidade do Congresso de derrubar os vetos adiciona uma camada extra de imprevisibilidade que pode adiar decisões de investimento essenciais para a expansão da capacidade de energia limpa do país.
Um ponto positivo, no entanto, foi a sinalização de que o governo está determinado a resolver o déficit tarifário. A injeção de recursos para cobrir passivos do setor, ainda que com divergências sobre a fonte, traz um alívio de curto prazo para as distribuidoras.
A solução de problemas estruturais, como a dívida da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), foi mantida no texto da MP 1304. Este é um movimento visto como necessário para a saúde financeira do setor, ainda que o peso final dos encargos permaneça como um enigma.
O Futuro da Geração Distribuída e a Agenda de Sustentabilidade
Para o segmento de Geração Distribuída, embora o foco da MP 1304 não estivesse diretamente na regulação da GD (que segue a Lei 14.300), os vetos reforçam a dificuldade em valorizar as externalidades positivas das renováveis.
Se o governo não compensa a restrição de despacho de grandes projetos renováveis, a sinalização é de ceticismo quanto à priorização total da Transição Energética em detrimento dos mecanismos de garantia de potência base.
Os profissionais de sustentabilidade e economia circular esperavam que a MP estabelecesse metas mais agressivas para a integração de tecnologias de armazenamento, cruciais para fontes intermitentes. A falta de avanço regulatório neste ponto, dada a urgência da medida, foi sentida como um revés.
A agenda do hidrogênio verde, uma pauta crescente no Brasil, também depende de um mercado elétrico robusto e com regras claras. A hesitação em torno dos vetos da MP 1304 mostra que o caminho regulatório para um futuro carbono zero ainda será sinuoso e sujeito a intensas disputas políticas e econômicas.
O próximo capítulo será o Congresso Nacional, que terá o poder de manter ou derrubar os vetos. Até lá, o mercado permanece em estado de alerta, equilibrando a esperança de estabilidade tarifária com a necessidade urgente de dar segurança aos investimentos em Geração Distribuída e em grandes parques de energia limpa.
Visão Geral
A sanção com vetos da MP 1304 impôs desafios significativos ao setor elétrico, particularmente aos geradores de energia limpa, pela não compensação do curtailment. A manutenção da compra obrigatória de fontes inflexíveis pressiona a conta de luz, enquanto vetos em relação aos preços do petróleo beneficiam a Petrobras em detrimento de indústrias. A principal consequência imediata é a elevação do risco regulatório, ameaçando a atração de capital para a Transição Energética e a expansão da Geração Distribuída no Brasil.






















