Conteúdo
- O Palco Político e a Controvérsia Legislativa
- A Falsa Firmeza e o Custo da Ponte
- Biometano e Hidrogênio: O Greenwashing do Gás
- A Urgência por Flexibilidade de Baixo Carbono
- Definindo o Fim da Ponte
- Visão Geral
O Palco Político e a Controvérsia Legislativa
O primeiro sinal dessa disputa se deu no Congresso, logo após o burburinho da COP se dissipar. A discussão sobre o veto a dispositivos legais que incluíam térmicas a gás natural em marcos regulatórios, como o de eólica offshore, exemplificou a tensão. Essas inclusões visam criar um mercado cativo e garantido para o combustível, muitas vezes deslocando fontes mais limpas e competitivas.
A estratégia é clara: atrelar a expansão de energias genuinamente renováveis a garantias de suprimento fóssil, sob o pretexto da segurança energética. Parlamentares, influenciados pela indústria do upstream, pressionam por medidas provisórias e projetos de lei que oferecem incentivos indiretos ao consumo de gás natural, mascarando-o como componente essencial de um pacote “verde”.
Essa manobra legislativa levanta a bandeira vermelha do lock-in. Ao garantir contratos de 20 a 30 anos para usinas térmicas, o país assume um compromisso de emissões que pode se tornar um passivo financeiro e ambiental. Investimentos bilionários em nova infraestrutura de gás limitam a flexibilidade da Matriz Elétrica Brasileira para abraçar a inovação tecnológica das baterias e do hidrogênio verde.
A Falsa Firmeza e o Custo da Ponte
O argumento técnico mais forte para o gás natural é a necessidade de firmeza na rede. Com a crescente penetração de eólica e solar, que já representam uma parcela significativa da capacidade instalada, o sistema exige um rápido backup. Tradicionalmente, esse papel cabe às Térmicas a Gás, que podem ser acionadas rapidamente.
Contudo, essa segurança tem um custo. A obrigação de contratação de térmicas inflexíveis ou com alto custo marginal, inserida via política pública, onera a tarifa de energia para o consumidor final. O subsídio cruzado, muitas vezes escondido em encargos setoriais, desvirtua a competição no setor e penaliza a eficiência da Transição Energética.
Análises recentes indicam que o custo de manter essa “ponte” de gás natural está crescendo exponencialmente, especialmente em momentos de baixa hidrologia ou instabilidade geopolítica global. O Brasil, que tem potencial para se tornar uma potência em energias renováveis puras, não pode se dar ao luxo de financiar soluções de transição com data de validade cada vez mais próxima.
Biometano e Hidrogênio: O Greenwashing do Gás
A indústria do gás natural tenta surfar na onda da sustentabilidade associando-se a vetores de baixo carbono. O biometano, gerado a partir de resíduos, e o futuro hidrogênio azul (produzido com gás e captura de carbono) são usados para justificar a manutenção e expansão da infraestrutura de gasodutos. O objetivo é pintar de verde um ativo majoritariamente fóssil.
Embora o biometano represente uma fonte renovável promissora, sua escala de produção atual ainda é insuficiente para substituir a demanda das grandes Térmicas a Gás. Promover o gás natural fóssil hoje, sob a promessa de que ele será substituído por moléculas verdes em um futuro incerto, é uma aposta arriscada.
Para os profissionais do setor, é vital diferenciar entre moléculas fósseis e moléculas verdes. O investimento em infraestrutura de transporte e distribuição deve ser future-proof, ou seja, capaz de lidar com o biometano e o hidrogênio sem exigir novos e custosos retrofits.
A Urgência por Flexibilidade de Baixo Carbono
A verdadeira solução para a intermitência não está em combustíveis fósseis de longa duração, mas sim em flexibilidade. A Transição Energética exige a aceleração do investimento em tecnologias de armazenamento, como baterias de grande escala (BESS) e, em médio prazo, plantas de hidrogênio verde acopladas à geração eólica e solar.
A China, por exemplo, já investe maciçamente em BESS para gerenciar a variabilidade de sua matriz, mostrando que a alternativa tecnológica está pronta para escalabilidade. O Brasil, com seus recursos hídricos e potencial solar/eólico, deve priorizar a regulação e o financiamento de tecnologias de ponta que ofereçam firmeza sem o peso do carbono.
O setor financeiro global, atento aos riscos climáticos, começa a restringir o crédito para novos projetos de gás natural de longo prazo. A pressão dos shareholders e a regulação climática (Taxonomia Verde) tornam esses projetos cada vez mais arriscados, elevando o custo de capital e o risco de ativos encalhados (stranded assets) na Matriz Elétrica Brasileira.
Definindo o Fim da Ponte
O retorno das discussões pós-COP reforça que o Brasil precisa de uma definição clara e temporal sobre o papel do gás natural. Se ele é, de fato, uma ponte, é preciso determinar quando essa ponte será cruzada e desativada. Sem um cronograma firme de descarbonização das Térmicas a Gás, a ponte corre o risco de virar moradia permanente.
O setor elétrico brasileiro, líder em renováveis, tem a responsabilidade de exigir políticas que não apenas garantam o suprimento, mas que também zelem pela competitividade e sustentabilidade de longo prazo. O foco deve ser em incentivar as soluções definitivas da Transição Energética, e não em prolongar o uso de combustíveis que, embora “melhores” que o carvão, ainda são fósseis e incompatíveis com a meta de 1.5°C.
É hora de questionar as propostas que visam um novo “voo cego” do gás natural, garantindo sua presença por mais duas ou três décadas. A clareza regulatória e a coragem política são essenciais para que o Brasil honre seus compromissos internacionais e consolide sua liderança na energia limpa, evitando a armadilha de uma transição lenta e cara.
Visão Geral
A consolidação do gás natural como infraestrutura essencial pós-COP é vista por especialistas como um risco de lock-in que pode comprometer as metas de descarbonização. Embora defendido como firmeza para as renováveis, seu custo crescente e a pressão por tecnologias de baixo carbono, como baterias e hidrogênio verde, sugerem que a permanência prolongada do combustível fóssil na Matriz Elétrica Brasileira representa um risco financeiro e ambiental.
























