Um Projeto de Lei na Alerj mira o Repetro, arriscando encarecer o gás natural, impactar o setor elétrico e minar a competitividade energética do Rio de Janeiro.
Conteúdo
- Entendendo a Batalha: Repetro vs. ICMS Estadual
- O Efeito Cascata no Preço do Gás Natural
- Ameaça ao Setor Elétrico e à Transição Energética
- O Risco da Desvantagem Competitiva
- O Debate da Sustentabilidade Fiscal
- A Próxima Etapa: Decisão na Alerj
- Visão Geral
Entendendo a Batalha: Repetro vs. ICMS Estadual
O cerne da disputa reside na tributação estadual, especificamente o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O Repetro é um mecanismo federal que suspende ou isenta a cobrança de tributos federais sobre a importação de bens usados nas atividades de exploração e produção (E&P) de óleo e gás. Sua essência é atrair investimentos de longo prazo, garantindo previsibilidade e fortalecendo a exploração de gás natural.
O problema surge quando o PL em questão tenta reconfigurar a aplicação do ICMS sobre operações correlatas, especialmente nas cessões de bens e serviços ou na importação de equipamentos. Na prática, a proposta da Alerj visa tributar operações que atualmente gozam de algum tipo de benefício ou neutralidade fiscal, elevando os custos de *upstream* (exploração e produção) de forma súbita. As associações argumentam que essa mudança tributária viola o princípio da não-cumulatividade e, pior, a segurança jurídica.
O Efeito Cascata no Preço do Gás Natural
Quando a tributação sobre a cadeia de E&P aumenta, o custo de extração e processamento do gás natural também sobe. Esse aumento não é absorvido apenas pelas produtoras; ele é repassado ao longo da cadeia, impactando diretamente o preço final da molécula de gás (P&G). Esse é o ponto que deixa o gás mais caro no Rio, afetando desde a indústria petroquímica até as termelétricas.
A proposta da Alerj, se aprovada, poderia elevar o custo operacional de projetos Repetro em múltiplos pontos percentuais, conforme cálculos preliminares da indústria. Isso prejudica a rentabilidade, freia novos investimentos e, inevitavelmente, afasta *players* que buscam ambientes regulatórios estáveis. A conta, ao final, chega ao consumidor, seja ele industrial ou residencial, aumentando o custo da energia para o setor elétrico.
Ameaça ao Setor Elétrico e à Transição Energética
Para o profissional do setor elétrico, a maior preocupação é a estabilidade do suprimento. O gás natural é, atualmente, o principal *backup* da matriz. As usinas termelétricas a gás natural (UTEs) são essenciais para garantir o suprimento em momentos de baixa hídrica ou de pouca geração eólica/solar (a chamada *curva pato*), fundamentais para a transição energética.
Se o insumo básico dessas UTEs fica mais caro devido à interferência no Repetro, a primeira consequência é a alteração da ordem de mérito (o *merit order*). UTEs mais caras são despachadas com menos frequência. Em um cenário de escassez, o custo marginal de operação sobe, podendo inflar as bandeiras tarifárias e o custo da energia para toda a nação, já que o gás do Rio abastece grande parte da malha de transmissão.
O Risco da Desvantagem Competitiva
O Rio de Janeiro é o epicentro da produção de óleo e gás no Brasil e um polo de infraestrutura de gás natural. No entanto, estados vizinhos como São Paulo e Espírito Santo, cientes da importância do gás para a transição energética, têm trabalhado para criar ambientes regulatórios mais previsíveis e competitivos.
A modificação do Repetro via ICMS estadual sinaliza insegurança e incerteza regulatória. Isso pode levar grandes *players* a redirecionar investimentos de infraestrutura para outros estados, onde a estabilidade fiscal é maior. O Rio de Janeiro corre o sério risco de perder sua primazia no mercado de gás natural, limitando a criação de empregos e o desenvolvimento de cadeias de valor avançadas.
As associações, como o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) e a Firjan, têm sido vocais ao alertar que a mudança no tratamento do Repetro cria um precedente perigoso. Elas defendem que o regime tributário, especialmente em setores de capital intensivo e longo prazo como óleo e gás, deve ser respeitado para garantir a segurança jurídica essencial aos contratos de concessão.
O Debate da Sustentabilidade Fiscal
Por trás da proposta da Alerj está a necessidade de aumentar a arrecadação estadual. O argumento é que a isenção de ICMS ligada ao Repetro representa uma perda fiscal significativa para o estado. Contudo, a indústria contra-argumenta que tributar a cadeia *upstream* é contraproducente.
A arrecadação do Rio de Janeiro é altamente dependente da produção de óleo e gás. Ao encarecer o custo de E&P, o estado desestimula a produção, o que, a médio e longo prazo, pode reduzir a base de cálculo de *royalties* e participações especiais – as verdadeiras fontes de receita de longo prazo do estado. É uma visão míope que prioriza o ganho imediato em detrimento da sustentabilidade fiscal futura.
A Próxima Etapa: Decisão na Alerj
O debate na Alerj é, portanto, muito mais do que uma tecnicalidade tributária: é uma encruzilhada para o futuro energético do Brasil. A decisão terá um impacto profundo no preço final do gás natural, na capacidade de investimento em novas reservas, e na resiliência do setor elétrico fluminense e nacional.
O gás natural deve ser visto como um insumo estratégico para a transição energética, e não apenas como uma fonte de arrecadação fácil. A aprovação deste PL, modificando o tratamento do Repetro e encarecendo o gás mais caro no Rio, poderia significar um retrocesso na ambição de fazer do estado um *hub* competitivo de energia limpa e de baixo carbono. A indústria espera que a casa legislativa pondere os riscos de curto prazo contra os benefícios de longo prazo da previsibilidade e do fomento ao investimento.
Visão Geral
Este artigo detalha como a interferência legislativa no Repetro via ICMS pela Alerj ameaça a competitividade do gás natural, encarecendo a molécula e afetando o setor elétrico e a transição energética no Rio de Janeiro.