Adeus ao Carvão: Usina Irlandesa Encerra suas Operações

Adeus ao Carvão: Usina Irlandesa Encerra suas Operações
Adeus ao Carvão: Usina Irlandesa Encerra suas Operações - Foto: Reprodução / Freepik AI
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A Irlanda marcou um avanço significativo em sua jornada climática em junho de 2025, com o encerramento antecipado das operações a carvão da usina termelétrica de Moneypoint.

Este passo consolidou o país como o sexto da Europa a dar fim do carvão na Irlanda, um movimento ambicioso em direção a um futuro mais verde. Contudo, a transição não é desprovida de complexidades.

A usina de 915 megawatts, embora livre do carvão, continuará disponível em regime de reserva emergencial, operando com petróleo até 2029, conforme reportado por diversas fontes. Essa decisão, juntamente com a persistência de subsídios a projetos fósseis, e a não replicação do modelo dinamarquês de exportação eólica, revela paradoxos na estratégia energética irlandesa. Este artigo detalha os pilares dessa transição, desde as inovações tecnológicas para estabilização da rede até os desafios inerentes à descarbonização, buscando oferecer uma perspectiva abrangente e crítica sobre o caminho da Irlanda rumo à sustentabilidade energética.


Índice


1. A Era do Carvão: Legado e Abandono

A Irlanda, por muitas décadas, dependeu fortemente de combustíveis fósseis para suprir suas necessidades energéticas. O carvão, em particular, desempenhou um papel central, garantindo a segurança energética do país em tempos de crescente demanda industrial e residencial. A usina de Moneypoint, localizada no Condado de Clare, foi o epicentro dessa dependência.

1.1. Moneypoint: Símbolo de uma Transição Acelerada

Inaugurada na década de 1980, a usina de Moneypoint representava a espinha dorsal da geração de eletricidade na Irlanda. Com uma capacidade instalada de 915 MW, ela era responsável por até 25% da capacidade de geração nacional, um número expressivo que demonstra sua relevância para a infraestrutura energética irlandesa. Sua construção teve como objetivo primordial reduzir a dependência do petróleo, que à época era volátil e suscetível a crises geopolíticas.

O anúncio do fechamento de suas operações a carvão em junho de 2025, seis meses antes do cronograma original, é um testemunho da pressão climática global e do rápido avanço das tecnologias de energia renovável. Este marco representa o fim do carvão na Irlanda como fonte primária de energia. A ESB, empresa estatal de eletricidade da Irlanda e operadora da planta, justificou a antecipação pela crescente participação das energias renováveis no mix, que em fevereiro de 2025 já representavam 54,5% da eletricidade gerada no país.

Contudo, a transição de Moneypoint não é uma desativação completa. Para garantir a segurança do fornecimento em momentos de pico de demanda ou baixa produção de renováveis, as unidades da usina serão mantidas em regime de standby, utilizando petróleo como combustível emergencial até 2029. Embora apresentada como uma solução temporária, esta medida tem sido alvo de críticas por parte de grupos ambientalistas, como a Friends of the Earth, que apontam a contradição de substituir um combustível fóssil por outro em um momento tão crítico para a ação climática. A persistência do uso de petróleo para fins de reserva levanta questionamentos sobre a verdadeira abrangência do fim do carvão na Irlanda e a integridade de seus compromissos climáticos.

1.2. O Contexto Europeu: Irlanda como Caso Periférico

A transição energética da Irlanda deve ser analisada dentro do contexto europeu e global. O Reino Unido, por exemplo, foi um pioneiro nesse movimento, fechando sua última usina a carvão em setembro de 2024, tornando-se o primeiro país do G7 a abandonar completamente este combustível. A Irlanda, ao encerrar as operações a carvão de Moneypoint, posicionou-se como o sexto país europeu a alcançar esse status, ou o 15º, dependendo da métrica utilizada e da inclusão de países que nunca tiveram carvão ou o abandonaram há muito tempo.

Essa posição, embora meritória, também reflete uma realidade: a Irlanda ainda depende de importações de energia, com aproximadamente 12% de sua eletricidade vinda de interconexões com a rede europeia. Diferentemente de grandes potências como Alemanha, que ainda possui uma parcela significativa de sua matriz energética baseada em carvão (cerca de 25%), a Irlanda, por sua escala e características geográficas, tem um caminho distinto. O desafio do país é consolidar sua independência energética enquanto avança em direção a uma matriz 100% renovável, evitando as armadilhas da dependência de combustíveis fósseis importados, como o gás natural.


2. A Revolução Renovável: Dados, Projetos e Limitações

A estratégia de descarbonização da Irlanda está intrinsecamente ligada ao massivo investimento em energias renováveis, especialmente a eólica, que tem demonstrado um crescimento exponencial na última década.

2.1. O Boom Eólico e o Problema da Intermitência

A energia eólica tornou-se a espinha dorsal do sistema elétrico irlandês. Em fevereiro de 2025, as turbinas eólicas geraram impressionantes 1.411 GWh, respondendo por 48% da eletricidade consumida no país. Esse boom, no entanto, trouxe consigo o desafio inerente à intermitência das fontes renováveis – a variação na produção de energia devido a fatores como a velocidade do vento.

Para mitigar essa instabilidade e garantir a segurança da rede elétrica após o fim do carvão na Irlanda, o país tem investido em soluções inovadoras e de alta tecnologia:

  • Volante de Inércia de 200 Toneladas: Instalado em Moneypoint, este colossal volante, o maior do mundo, gira a 3.000 rotações por minuto. Sua função é estabilizar a rede elétrica, fornecendo a inércia mecânica que antes era suprida pelas grandes turbinas a carvão. Em essência, ele atua como um “colchão” de energia, absorvendo e liberando eletricidade para suavizar as flutuações da rede causadas pela entrada e saída de grandes volumes de energia eólica.
  • Baterias de 160 MWh: Complementando o volante de inércia, sistemas de armazenamento de energia em baterias foram implementados. Com uma capacidade de 160 MWh, estas baterias são capazes de alimentar mais de 9.500 residências por dia durante os picos de demanda ou em momentos de baixa geração eólica.

Essas inovações são cruciais para a praticidade da energia renovável, permitindo que uma fonte naturalmente intermitente se torne mais confiável e despachável, garantindo o fornecimento contínuo de eletricidade sem a necessidade de combustíveis fósseis de base.

2.2. Solar e Hidrogênio: Apostas de Longo Prazo

Além da eólica, a Irlanda também tem direcionado investimentos significativos em energia solar. O programa RESS (Renewable Electricity Support Scheme) já canalizou €12,5 bilhões para 63 projetos solares, que juntos, têm a capacidade de gerar 767 GWh. Embora a participação da solar seja menor que a eólica, ela é vista como um complemento vital para a diversificação da matriz.

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O plano Green Atlantic @ Moneypoint, que visa transformar a antiga usina de carvão em um hub de energia verde, é um testemunho do compromisso de longo prazo da Irlanda. Este projeto ambicioso inclui:

  • 1,5 GW de Energia Eólica Offshore até 2030: Um investimento maciço em parques eólicos no mar, aproveitando o vasto potencial eólico da costa irlandesa.
  • Produção de Hidrogênio Verde via Eletrólise a partir de 2035: A conversão do excesso de energia renovável em hidrogênio verde, um combustível limpo e versátil, que pode ser armazenado e utilizado para diversas finalidades, desde transporte pesado até aplicações industriais.

Essas iniciativas representam a sustentabilidade inerente à energia renovável. Ao investir em fontes limpas e na produção de combustíveis verdes, a Irlanda não apenas reduz suas emissões de carbono, mas também cria um sistema energético mais robusto e menos dependente de recursos finitos e poluentes. A economia também se beneficia, pois a longo prazo, a geração própria de energia renovável tende a ser mais barata do que a importação de combustíveis fósseis, além de criar empregos locais na cadeia de valor das energias limpas. A transição para um modelo de “Energia Renovável com Economia, Praticidade e Sustentabilidade” é, portanto, o objetivo central dessas estratégias, visando um futuro onde a segurança energética e a proteção ambiental andam de mãos dadas.


3. Contradições e Riscos da Transição

Apesar dos avanços notáveis e do marco do fim do carvão na Irlanda, a transição energética do país não está isenta de contradições e riscos que merecem atenção crítica.

3.1. A Armadilha do Backup Fóssil

A decisão de manter a usina de Moneypoint operando com petróleo em regime emergencial até 2029 é, sem dúvida, a maior dessas contradições. Embora justificada pela necessidade de garantir a estabilidade da rede, essa medida vai de encontro à meta declarada de ter uma “eletricidade 100% renovável” até 2030. A queima de petróleo, um combustível fóssil, para fins de reserva, levanta questões sobre a sinceridade e a rapidez da descarbonização.

Este modelo ecoa as falhas observadas em outras nações, como o Reino Unido, onde, apesar do fim do carvão, os combustíveis fósseis (principalmente o gás natural) ainda respondem por uma parcela significativa (cerca de 31%) do mix energético. A Irlanda corre o risco de cair na “armadilha do gás” ou, neste caso, da “armadilha do petróleo”, onde um combustível fóssil é substituído por outro, adiando a verdadeira e completa descarbonização.

3.2. Subsídios e Dependência Externa

Outro ponto de preocupação reside na persistência de subsídios a combustíveis fósseis. Embora a Irlanda tenha desativado sua usina a carvão, a estrutura de contratos de reserva pode, indiretamente, perpetuar pagamentos para infraestruturas fósseis. Um exemplo preocupante fora da Irlanda é o caso da usina de Candiota III, no Brasil, que, mesmo inativa, continua a receber subsídios de milhões de reais mensais. Se contratos de reserva na Irlanda seguirem esse padrão, o verdadeiro fim do carvão na Irlanda e de outros fósseis pode ser postergado por custos ocultos.

Além disso, a dependência de importações de energia, com 12% da eletricidade irlandesa vindo de interconexões, expõe o país a flutuações de preços no mercado internacional, como visto durante a crise energética pós-invasão da Ucrânia. Embora a diversificação e a autossuficiência energética sejam objetivos claros da transição, a velocidade para alcançá-las ainda é um desafio. A expansão acelerada de grandes data centers na Irlanda, com sua alta demanda energética, também adiciona pressão sobre a rede, exacerbando a necessidade de fontes de energia confiáveis e, por vezes, levando a soluções de curto prazo que incluem combustíveis fósseis.


4. Lições para uma Transição Justa

A experiência da Irlanda no processo de abandonar o carvão oferece importantes lições, tanto de sucesso quanto de desafios, para outras nações que buscam a descarbonização.

4.1. Caso de Sucesso: Reino Unido

O Reino Unido, por exemplo, é frequentemente citado como um caso de sucesso na transição pós-carvão. Desde 1990, o país conseguiu uma redução de 50% em suas emissões de gases de efeito estufa, impulsionada em grande parte pelo fim do carvão em sua matriz elétrica. Este feito foi alcançado por meio de uma combinação de fatores:

  • Legislação Robusta: Implementação de leis de descarbonização do setor elétrico com metas claras e prazos definidos até 2030.
  • Taxação Progressiva de Emissões: Um sistema que gradualmente encareceu a geração de energia a partir do carvão, tornando as renováveis mais competitivas.
  • Investimento em Novos Empregos Verdes: A transição gerou mais de 200 mil empregos no setor de energias renováveis e tecnologias limpas.

4.2. Recomendações para a Irlanda

Para que a transição energética da Irlanda seja verdadeiramente justa e sustentável, algumas recomendações podem ser consideradas:

  • Eliminar Subsídios Ocultos: É fundamental revisar e eliminar quaisquer subsídios, diretos ou indiretos (como em contratos de reserva de capacidade), que possam beneficiar a infraestrutura de combustíveis fósseis. A transparência nesses contratos é crucial.
  • Acelerar o Hidrogênio Verde: O projeto de hidrogênio verde em Moneypoint é promissor. Acelerar sua implementação e expansão para que ele possa substituir o petróleo no regime de backup antes de 2029 é vital para a credibilidade dos compromissos climáticos.
  • Replicar Modelos Simbólicos: A demolição da chaminé da maior usina a carvão da Europa em Longannet, na Escócia (da ScottishPower, do grupo Iberdrola), foi um ato simbólico poderoso. Considerar gestos semelhantes para a infraestrutura de Moneypoint, se apropriado, pode reforçar a mensagem de um verdadeiro fim do carvão na Irlanda.
  • Políticas de Requalificação Profissional: Garantir que os trabalhadores da antiga usina de Moneypoint sejam requalificados e integrados nas novas indústrias de energia verde é essencial para uma transição justa, evitando que a mudança gere desemprego e impactos sociais negativos, um erro observado em outros contextos como o da Candiota III no Brasil.

Conclusão

O fim do carvão na Irlanda, marcado pelo encerramento das operações de Moneypoint, é um passo fundamental na luta contra as mudanças climáticas e um sinal claro do compromisso irlandês com um futuro mais sustentável. No entanto, a transição é um processo complexo, repleto de desafios e nuances. A dependência do petróleo como backup até 2029 e a lentidão na expansão total das fontes renováveis representam contradições que precisam ser superadas.

A capacidade da Irlanda de converter inovações como o volante de inércia e os projetos de hidrogênio verde em modelos escaláveis e economicamente viáveis será determinante para o sucesso de sua descarbonização completa. A busca por “Energia Renovável com Economia, Praticidade e Sustentabilidade” não é apenas um slogan, mas uma necessidade estratégica. A economia se manifesta na redução da dependência de combustíveis importados e na criação de uma cadeia de valor local robusta; a praticidade é alcançada através de soluções de armazenamento e estabilização de rede que garantem a confiabilidade do fornecimento; e a sustentabilidade é a base de todo o processo, garantindo um futuro com menos emissões e um planeta mais saudável.

O caso irlandês serve como um estudo de caso valioso para outras nações. Ele destaca a importância de políticas ambiciosas, investimentos em tecnologia e, acima de tudo, a necessidade de abordar as contradições inerentes à transição energética para garantir que o verdadeiro fim do carvão na Irlanda e de outros combustíveis fósseis seja completo, justo e irreversível. O caminho à frente para a Irlanda é de inovação contínua e compromisso firme com suas metas climáticas, transformando a usina que um dia simbolizou a era do carvão em um farol da energia limpa.

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