A Petrobras ajusta sua estratégia de expansão em energia limpa, priorizando o consumo próprio como resposta direta aos crescentes desafios impostos pelo curtailment no setor elétrico.
Conteúdo
- O Fantasma do Curtailment no Setor Elétrico
- Redirecionamento Estratégico: O Poder do Consumo Próprio
- Gás Natural e a Intermitência das Renováveis
- Visão Geral
O Fantasma do Curtailment no Setor Elétrico
A Petrobras, gigante estatal brasileira, acendeu um sinal de alerta no setor elétrico ao reavaliar drasticamente seus planos de expansão em geração de energia limpa. O principal vilão é o crescente fenômeno do curtailment, o corte forçado na geração de eólicas e solares ditado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Essa instabilidade não apenas freia a ambição da companhia em se tornar uma power house renovável, mas também impõe um redirecionamento estratégico de seus investimentos para a autoprodução e o consumo próprio.
O recuo é substancial e está explicitado no novo Plano Estratégico 2026-2030 da companhia. A projeção de capacidade instalada de renováveis foi drasticamente reduzida, caindo para cerca de 1,7 GW no horizonte. Essa redução de 62,2% na meta inicial demonstra que o risco inerente ao curtailment se tornou um fator limitante inaceitável para projetos de grande escala voltados à comercialização de energia no mercado livre ou regulado.
Mas, afinal, o que é o curtailment e por que ele se tornou um obstáculo tão poderoso? No contexto do sistema interligado nacional (SIN), o termo refere-se aos momentos em que a produção de energia, especialmente a intermitente como a eólica e solar, supera a capacidade de escoamento da rede ou a demanda de consumo. O ONS é obrigado a cortar a geração para manter a estabilidade do sistema e evitar sobrecargas perigosas, desperdiçando a energia produzida.
Para o setor elétrico, os números são alarmantes. Estudos recentes indicam que o curtailment cresceu exponencialmente, gerando perdas bilionárias anuais. Uma parcela significativa da energia gerada nos grandes parques do Nordeste, principalmente, é descartada. Esse desperdício afeta diretamente a rentabilidade dos projetos de expansão e introduz um risco financeiro que empresas como a Petrobras não estão dispostas a absorver em larga escala.
O problema é estrutural. A velocidade de instalação de novos parques de eólicas e solares ultrapassou o ritmo de expansão da infraestrutura de transmissão, especialmente nas regiões mais ricas em recursos naturais. Sem linhas de transmissão robustas o suficiente para levar a energia do ponto A (geração) ao ponto B (consumo), o excesso de injeção é inevitavelmente sacrificado pelo ONS.
Redirecionamento Estratégico: O Poder do Consumo Próprio
Diante da instabilidade do mercado de comercialização, a Petrobras adotou uma postura pragmática: focar seus investimentos em projetos de renováveis para consumo próprio. A lógica é simples e defensiva: a geração de eletricidade diretamente para suprir a demanda massiva de suas refinarias, plataformas e unidades industriais mitiga o risco de curtailment e garante uma fonte de energia mais barata e estável.
A companhia é uma das maiores consumidoras de energia do país, com uma pegada industrial que exige milhões de megawatts-hora anualmente. Ao investir em eólicas e solares para alimentar suas próprias operações, ela transforma a energia gerada em uma economia de custo operacional, ao invés de um ativo de venda exposto às flutuações e aos cortes do SIN. Este é um modelo de expansão verticalizada e de baixo risco regulatório.
O novo plano da Petrobras não abandona a transição energética, mas a recalibra. O foco em consumo próprio implica em projetos de autoprodução ou de geração distribuída para suas plantas. Isso permite à empresa descarbonizar sua matriz operacional de maneira controlada, reduzindo a pegada de carbono das suas atividades de refino e exploração, o que é essencial para cumprir metas ambientais e de sustentabilidade.
Gás Natural e a Intermitência das Renováveis
É crucial notar que o recuo da Petrobras nas eólicas e solares coincide com um maior foco nos investimentos em gás natural, incluindo termelétricas. O gás natural é um parceiro estratégico para o enfrentamento da intermitência. Enquanto as renováveis não podem gerar quando o vento para ou o sol se põe, o gás natural oferece a flexibilidade e a segurança de suprimento que o SIN exige, especialmente em momentos de pico de demanda ou baixo despacho renovável.
Essa dualidade na estratégia reflete a realidade do sistema brasileiro. A Petrobras utiliza o gás como uma ponte para a transição energética, garantindo que a infraestrutura crítica do país continue operando, enquanto planeja investimentos de longo prazo em soluções que não dependam da rede, como o Hidrogênio de baixo carbono e o Carbon Capture, Utilization, and Storage (CCUS).
Embora o orçamento total para a transição energética permaneça robusto (bilhões de dólares), o freio nas eólicas e solares de grande escala é um aviso para o mercado. Ele sugere que a infraestrutura de transmissão e as regras do ONS precisam evoluir rapidamente para acompanhar a avalanche de projetos renováveis, sob pena de inviabilizar economicamente novas expansões.
A decisão da Petrobras coloca em evidência a necessidade urgente de soluções para o curtailment. O desenvolvimento de sistemas de armazenamento de energia (BESS) em grande escala, por exemplo, é visto como a principal tecnologia capaz de absorver o excesso de geração solar e eólica e injetá-lo no sistema quando necessário. Sem BESS ou linhas de transmissão suficientes, o curtailment continuará a ser um freio na descarbonização.
Visão Geral
Em conclusão, a manobra da Petrobras de redirecionar investimentos para o consumo próprio é uma resposta de mercado inteligente ao desafio regulatório e de infraestrutura representado pelo curtailment. A empresa está priorizando a sustentabilidade econômica e operacional das suas próprias plantas, um caminho mais seguro do que a exposição aos riscos de desperdício e instabilidade do mercado atacadista. A expansão das renováveis no Brasil continuará, mas a atitude da Petrobras força o setor elétrico a encarar a maturidade da rede como o próximo grande gargalo da transição energética.
























