A extensão da vida útil das termelétricas a carvão no Sul do país sinaliza uma prioridade da segurança energética sobre o avanço da agenda climática pós-COP.
Conteúdo
- O Cronômetro Corre para 2040
- O Argumento da Potência Firme
- A Contradição da COP e o Veto
- O Desafio Social da Transição Energética Justa
- O Futuro: Carvão como Geração de Último Recurso?
- A Perspectiva do Especialista
- Visão Geral
A Conferência do Clima (COP) mal esfriou e o Brasil, anfitrião de futuras edições e protagonista nas discussões globais sobre descarbonização, deu um sinal interno que causou calafrios no setor de energia limpa. A notícia mais quente vinda de Brasília não foi sobre o avanço das renováveis, mas sim uma prorrogação de contrato para as usinas termelétricas a carvão mineral localizadas majoritariamente na Região Sul do Brasil. Para o mercado, o recado é claro: a segurança energética, a economia regional e a política de bastidores jogaram tempo extra contra a agenda climática. Entender esse movimento exige mais do que manchetes; é preciso mergulhar na complexa engenharia econômica e social do setor elétrico brasileiro.
O Cronômetro Corre para 2040
O centro da polêmica é a lei derivada da Medida Provisória (MP) 1.304/2025, que basicamente estendeu a operação das termelétricas a carvão até 2040, em vez de permitir seu encerramento gradual, originalmente previsto para esta década. O lobby do carvão, concentrado principalmente em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, conseguiu articular no Congresso a garantia de que as usinas teriam seus contratos renovados com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Essa prorrogação não é apenas técnica; ela assegura a compra da energia gerada, mantendo o fluxo de subsídios públicos e, consequentemente, a viabilidade econômica das minas e usinas.
A decisão legislativa representa um freio na transição energética e cria uma dependência de longo prazo em relação a uma das fontes mais poluentes. Para os profissionais do setor de energia limpa, isso significa um custo de oportunidade alto. Recursos que poderiam financiar novas tecnologias de renováveis, como eólica e solar, ou aprimorar a rede de transmissão para absorver essa energia limpa intermitente, são redirecionados para manter em funcionamento a geração baseada em combustíveis fósseis.
O Argumento da Potência Firme
Apesar do peso ambiental, a permanência do carvão na Matriz Elétrica é defendida por razões de estabilidade do sistema. As termelétricas a carvão fornecem a chamada potência firme, ou seja, energia constante e programável, indispensável para equilibrar a intermitência das fontes eólicas e solares. Em momentos de crise hídrica ou baixa geração renovável, as usinas do Sul historicamente entram em operação para evitar apagões, garantindo a segurança energética nacional.
Contudo, a custo de quem? Um estudo recente, frequentemente citado pelo Observatório do Carvão, aponta que a manutenção dessas usinas até 2040 impõe um encargo bilionário aos consumidores e à União. O subsídio pago é um reconhecimento implícito de que o carvão mineral não é mais competitivo no mercado aberto sem esse suporte financeiro. Esse desequilíbrio econômico é o ponto mais sensível para economistas e planejadores do setor elétrico, que veem uma distorção regulatória em favor de uma fonte em declínio global.
A Contradição da COP e o Veto
O timing da lei é, no mínimo, irônico. A aprovação final e a sanção presidencial ocorreram em um momento de intensa mobilização climática global, logo após a COP30 levantar discussões cruciais sobre o phase-out (eliminação gradual) dos combustíveis fósseis. O Brasil, tentando se posicionar como líder da agenda climática, enfrenta a realidade de que as pressões internas por desenvolvimento regional e empregos falaram mais alto.
Para agravar o cenário, o governo chegou a vetar parte do projeto que oferecia compensações para o setor de renováveis. Embora o veto tenha sido justificado como uma necessidade de ajuste fiscal, ele reforçou a percepção de que, na balança entre o fóssil e o limpo, o fóssil levou a melhor desta vez. O setor de novas termelétricas limpas, como as de gás natural e as tecnologias de armazenamento, também se sente preterido, vendo o calendário da descarbonização ser alongado.
O Desafio Social da Transição Energética Justa
A essência da prorrogação está ligada à Transição Energética Justa, um conceito que busca proteger os trabalhadores e as comunidades que dependem economicamente do carvão. Municípios como Candiota (RS), que abriga a maior reserva de carvão a céu aberto do país, e cidades no Sul de Santa Catarina têm sua estrutura social e econômica intrinsecamente ligada à mineração e à geração de energia.
A lei, ao estender os contratos, obriga o governo a criar um plano de transição que inclui requalificação profissional e diversificação econômica para essas regiões. O prazo até 2040 deve ser usado para que esses polos carboníferos desenvolvam alternativas de geração (como gás natural ou energias limpas) e novas economias sustentáveis. O desafio, no entanto, é transformar essa promessa de transição em realidade tangível e não apenas em uma forma de postergar o inevitável.
O Futuro: Carvão como Geração de Último Recurso?
Passado o calor político imediato da COP e da sanção, a realidade técnica se impõe. A prorrogação não significa um novo ciclo de expansão do carvão; ela estabelece um prazo final. As usinas operantes até 2040 serão, crescentemente, vistas como geradoras de “último recurso”, essenciais apenas em momentos críticos para a segurança energética do Sistema Interligado Nacional (SIN).
O mercado de energia, por sua vez, continuará a ver as renováveis (eólica e solar) como as fontes dominantes de crescimento e investimento. A capacidade instalada do carvão representará uma fatia cada vez menor da matriz. Contudo, essa fatia terá um custo desproporcional para o meio ambiente e para o consumidor. A próxima década será crucial para avaliar se o plano de Transição Energética Justa será eficaz, ou se o Sul do Brasil simplesmente adiou uma conta salgada que, inevitavelmente, precisará ser paga pela sociedade e pelo planeta.
A Perspectiva do Especialista
Para o setor elétrico, a mensagem é mista. Há alívio na garantia da potência firme e da estabilidade da rede, mas frustração com a lentidão na descarbonização e o custo dos subsídios. Os olhos dos investidores agora se voltam para como o Operador Nacional do Sistema (ONS) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) vão incorporar essa nova realidade no planejamento. O desafio é usar o tempo extra da prorrogação não como um descanso, mas como um período intensivo para desenvolver tecnologias de captura de carbono, modernização da rede e, principalmente, acelerar os projetos de energia limpa que, no futuro, substituirão de vez a geração fóssil do Sul. A partida pode ter ido para a prorrogação, mas o objetivo final continua sendo a vitória da sustentabilidade.
Visão Geral
A decisão de estender a operação de termelétricas a carvão no Sul do Brasil até 2040, logo após a COP, cria uma tensão entre a segurança energética e a descarbonização. Enquanto garante potência firme para o sistema, o movimento exige altos subsídios e posterga o investimento em energia limpa, desafiando a prometida Transição Energética Justa para as regiões dependentes do carvão.























