A Medida Provisória 1.304, ao incluir a mudança no cálculo dos royalties de petróleo, acirrou disputas entre o setor de exploração e o governo, evidenciando riscos regulatórios.
Conteúdo
- O Dispositivo Inserido na MP 1.304
- O “Jabuti” na MP Elétrica: A Inclusão da Regra de Royalties
- A Crise do Upstream e a Segurança Jurídica no Setor
- O Argumento da Arrecadação e o Estímulo ao Refino Privado
- A Contaminação do Setor Elétrico e a Energia Limpa
- A Batalha Técnica: A Fórmula do PRP em Debate
- O Desfecho Político e a Estabilidade da Economia
- Visão Geral
O Dispositivo Inserido na MP 1.304
O debate em torno da Medida Provisória (MP) 1.304, originalmente focada em temas cruciais do Setor Elétrico, ganhou um componente explosivo. Um dispositivo inserido no texto, que altera radicalmente a metodologia para o cálculo de royalties de petróleo, detonou uma guerra regulatória. A mudança, que visa reajustar o Preço de Referência do Petróleo (PRP), colocou associações de upstream (exploração e produção) contra o governo e grupos que defendem o aumento da arrecadação e o estímulo ao refino privado.
Para a comunidade de energia limpa e finanças, este conflito é mais do que uma disputa do mercado fóssil. Ele é um lembrete vívido dos riscos regulatórios que permeiam a infraestrutura brasileira. A falta de segurança jurídica em um segmentoInevitavelmente contamina a percepção de risco em todo o ecossistema energético, afetando o custo de capital para novos projetos de sustentabilidade.
O “Jabuti” na MP Elétrica: A Inclusão da Regra de Royalties
A MP 1.304 foi criada com o objetivo primordial de endereçar questões do Setor Elétrico, como subsídios, encargos da CDE e a abertura do Mercado Livre. Contudo, em seu trâmite no Congresso Nacional, foi acrescida de um tema totalmente alheio: a nova regra para o cálculo de royalties de petróleo. Essa prática, conhecida como “jabuti” no jargão legislativo, gerou um nó político e técnico.
A emenda modifica a base de cálculo das participações governamentais (royalties e participações especiais) que as empresas pagam à União, estados e municípios pela exploração de recursos. A mudança mira a forma como a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) define o Preço de Referência do Petróleo (PRP). O objetivo declarado é alinhar o preço interno com referências internacionais de forma mais estrita.
A Crise do Upstream e a Segurança Jurídica no Setor
O lado mais veemente na oposição é o segmento de exploração e produção (upstream), representado pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP). Para eles, a nova regra de cálculo de royalties de petróleo é vista como uma ameaça direta à segurança jurídica e à previsibilidade dos contratos de concessão.
O IBP argumenta que o modelo anterior, baseado no PRP calculado pela ANP, considerava as condições específicas de cada campo de produção, garantindo um cálculo justo. A migração para um preço de referência baseado puramente em cotações internacionais (como o Brent ou WTI), sem as devidas deduções logísticas e de qualidade, resultaria em um aumento artificial da base de cálculo.
Na prática, isso significa que as empresas seriam obrigadas a pagar mais royalties de petróleo sem que o preço de venda real do óleo no Brasil tenha subido na mesma proporção. A incerteza tributária e o aumento da carga regulatória podem frear investimentos bilionários em novas fronteiras, especialmente no pré-sal. A economia do setor fóssil é extremamente sensível a essas mudanças.
O Argumento da Arrecadação e o Estímulo ao Refino Privado
Do outro lado, estão os defensores da mudança, que veem na nova regra uma forma de corrigir distorções históricas e maximizar a arrecadação federal, municipal e estadual. O argumento central é que o PRP da ANP estaria, em alguns momentos, subestimando o valor real do petróleo em comparação com o mercado internacional, resultando em perdas para o poder público.
Além da receita, a cláusula tem um componente estratégico: estimular o refino privado. A alteração busca tornar a importação de óleo mais cara, incentivando as empresas a processarem o petróleo nacionalmente. Ao valorizar o óleo doméstico, a medida beneficiaria as refinarias que compram o produto cru internamente, promovendo a segurança energética na cadeia de combustíveis.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da MP 1.304, foi um dos principais defensores dessa inclusão. Ele argumenta que o novo critério de cálculo garante uma compensação mais justa à sociedade e alinha as práticas brasileiras às metodologias globais de precificação de commodities. O debate, portanto, opõe a visão macroeconômica da arrecadação contra a previsibilidade microeconômica do investimento produtivo.
A Contaminação do Setor Elétrico e a Energia Limpa
Embora o tema principal da MP 1.304 fosse o Setor Elétrico, a controvérsia sobre os royalties de petróleo gera um impacto indireto, mas significativo, na energia limpa. A instabilidade regulatória percebida no setor de óleo e gás atua como um fator de desconfiança para investidores em geral. Fundos de private equity e holdings de infraestrutura que aplicam em eólica, solar e sustentabilidade olham para a MP como um todo.
A inserção de um tema de alto conflito, como a tributação de royalties de petróleo, em uma medida de urgência do Setor Elétrico sinaliza que o marco regulatório pode ser alterado de forma súbita e imprevisível. Essa percepção de risco regulatório eleva o custo de capital para todos os projetos de infraestrutura no Brasil, incluindo aqueles de energia limpa, como as novas linhas de transmissão.
Para os profissionais de economia energética, o ideal é a separação e o tratamento específico de cada tema. Misturar a agenda de royalties de petróleo com a agenda tarifária e de subsídios do Setor Elétrico apenas aumenta a complexidade regulatória e a apreensão do mercado.
A Batalha Técnica: A Fórmula do PRP em Debate
Tecnicamente, o cerne da disputa reside em como se define o preço de venda do petróleo no momento da extração. O antigo PRP considerava os custos de transporte e comercialização inerentes ao campo. A nova proposta se baseia em uma cesta de preços internacionais, o que, segundo os produtores, ignora a especificidade do óleo brasileiro e os custos de offtake (logística de saída).
O receio é que essa simplificação resulte em uma bitributação ou, no mínimo, em um cálculo irrealista que espreme as margens operacionais. O custo de produção de petróleo no pré-sal já é elevado, e qualquer incerteza sobre o cálculo de royalties pode inviabilizar projetos marginais ou postergar a decisão final de investimento (FID) em novos clusters de produção.
O debate técnico é intrincado, mas a sua implicação financeira é clara: bilhões de reais em jogo, tanto para as empresas de petróleo quanto para os cofres públicos. É um cabo de guerra que mostra a dificuldade do Brasil em conciliar a necessidade de arrecadação com a segurança jurídica dos investidores.
O Desfecho Político e a Estabilidade da Economia
A MP 1.304, com sua bagagem de controvérsias, precisa ser sancionada ou vetada pelo Presidente. A expectativa do mercado é que o Executivo encontre uma solução que aplaque a crise no segmento de petróleo sem desestabilizar os pilares do Setor Elétrico.
Um veto parcial na cláusula de royalties de petróleo seria um alívio para os produtores de upstream, preservando o modelo de PRP da ANP. Contudo, isso frustraria o objetivo de aumentar a arrecadação e estimular o refino privado. Qualquer que seja a decisão, ela reverberará profundamente na economia e na sustentabilidade do país, reforçando a urgência de um debate regulatório mais segmentado e transparente.
A tensão criada pelo novo cálculo de royalties de petróleo na MP 1.304 é um lembrete de que a estabilidade regulatória deve ser a prioridade máxima para atrair o capital de longo prazo necessário para a transição energética. A falta de consenso entre as associações demonstra que a solução ideal ainda está longe de ser alcançada.
Visão Geral
A controvérsia na MP 1.304 sobre o cálculo de royalties de petróleo contrapõe a busca por maior arrecadação e estímulo ao refino privado com a demanda por segurança jurídica e estabilidade regulatória por parte do setor de upstream. Esta disputa no setor fóssil acarreta riscos percebidos em toda a cadeia de infraestrutura, incluindo investimentos em energia limpa, enquanto o mercado aguarda a decisão presidencial sobre a inclusão do polêmico “jabuti” na medida provisória.
























