A iniciativa do Gás da União, apesar de importante para a oferta, carece de avanços estruturais e regulatórios para promover a esperada revolução de preços no mercado de gás brasileiro.
Conteúdo
- Visão Geral da Crítica ao “Gás da União”
- O Mérito e a Limitação da Iniciativa Governamental
- A Tríade da Incerteza: Regulação, Transporte e Competição
- O Efeito Cascata na Transição Energética
- Um Apelo por Ação Sistêmica para o Mercado
Visão Geral
O entusiasmo em torno das iniciativas governamentais para monetizar o gás natural e injetá-lo no mercado brasileiro é palpável, mas a euforia precisa de um balde de água fria. A leitura de especialistas aponta para uma realidade mais complexa: o chamado “Gás da União”, sozinho, está longe de ser a bala de prata capaz de reformular o panorama energético nacional.
Essa é a avaliação direta de um importante player do setor elétrico e de infraestrutura. Segundo o diretor da A&M, Rivaldo Moreira Neto, embora os esforços recentes do governo federal, incluindo leilões estruturantes, ajudem a casar oferta e demanda e a revelar preços, eles não possuem a força necessária para promover a revolução do mercado esperada.
Para a audiência especializada em energia limpa e economia, essa constatação é crucial. O gás natural é fundamental para a transição energética como fonte firm e flexível, complementando a intermitência da energia solar e eólica. Portanto, a falha em destravar o preço e a segurança do suprimento do gás impacta diretamente a viabilidade econômica do sistema renovável.
O ponto central da crítica reside no fato de que o fornecimento em si, mesmo que garantido pela União, não resolve os gargalos estruturais de infraestrutura e a incerteza regulatória que assombram o gás há décadas. O Novo Mercado de Gás, prometido para ser transformador, ainda engatinha, preso a problemas que o “Gás da União” simplesmente ignora.
O Mérito e a Limitação da Iniciativa Governamental
A origem do conceito “Gás da União” está ligada à busca por mecanismos que garantam o escoamento e a comercialização do vasto volume de gás natural advindo principalmente do pré-sal, que de outra forma seria reinjetado nos poços. Os leilões recentes têm o mérito de introduzir novos players e volumes, exercendo uma pressão inicial sobre os preços.
Contudo, para o diretor da A&M, a mera garantia de fornecimento pela União não equivale a uma mudança estrutural. Ele argumenta que o verdadeiro potencial de revolução do mercado reside na criação de um ambiente de competição horizontalizada, onde o acesso à infraestrutura e a segurança jurídica estimulem o investimento privado de longo prazo.
A ausência de uma rede de transporte capilarizada e o alto custo da logística ofuscam qualquer ganho de preço na ponta da produção. O gás pode ser barato na cabeça do poço, mas se o custo de transporte até a termelétrica ou a indústria for proibitivo, a diferença é anulada.
A perspectiva do setor elétrico é clara: precisamos de previsibilidade para justificar investimentos multibilionários em termelétricas a gás natural que servirão como lastro para as renováveis. A incerteza regulatória e a fragilidade da infraestrutura de escoamento minam essa previsibilidade.
A Tríade da Incerteza: Regulação, Transporte e Competição
O especialista Rivaldo Moreira Neto e a A&M Infra enfatizam que três elementos estruturais precisam ser atacados simultaneamente para que o gás natural brasileiro alcance seu potencial.
Primeiramente, a infraestrutura de transporte. O Brasil tem um déficit crônico em gasodutos que interligam os hubs de produção (especialmente no offshore e no Nordeste) aos grandes centros consumidores (Sudeste). Projetos cruciais, como a expansão do escoamento do pré-sal, precisam de celeridade para que o gás chegue ao mercado.
Em segundo lugar, a segurança jurídica e a estabilidade regulatória. O Novo Mercado de Gás sofreu com mudanças de rumo, questionamentos e a constante intervenção política, gerando desconfiança. Investidores internacionais e nacionais só se comprometem com grandes projetos quando há regras claras e duradouras, que protejam a viabilidade econômica dos ativos.
Por fim, a competição real. Apesar da quebra formal do monopólio, a Petrobras ainda detém uma posição dominante na produção, processamento e transporte. A verdadeira revolução do mercado só ocorrerá quando houver acesso desimpedido a terminais de GNL e gasodutos essenciais, permitindo que pequenos e médios produtores e comercializadores atuem com liberdade.
O Gás da União, ao focar apenas na oferta, corre o risco de criar um volume represado sem o devido canal para distribuição competitiva. É como ter um rio caudaloso (o gás) sem canais de irrigação (os gasodutos e a regulação de acesso) que o levem a alimentar a lavoura (a indústria e o setor elétrico).
O Efeito Cascata na Transição Energética
O gás natural é inegavelmente o combustível fóssil menos poluente e, no contexto brasileiro, atua como o principal backbone para a massiva penetração de fontes renováveis variáveis. O sucesso do projeto de descarbonização do setor elétrico depende intrinsecamente do custo e da disponibilidade do gás.
Se o Gás da União falhar em reduzir os preços de forma significativa – uma falha provável sem os pilares de infraestrutura e regulação – o custo de lastro da energia limpa permanecerá elevado. Isso impacta o Custo Marginal de Operação (CMO) e, por tabela, o preço da energia para o consumidor final e a atratividade dos investimentos em renováveis.
A viabilidade econômica da transição energética brasileira está interligada. Um gás caro e de difícil acesso obriga o sistema a depender de fontes térmicas mais caras ou mais poluentes, ou pior, a ter que frear o crescimento de projetos solares e eólicos para manter a segurança operativa.
O alerta do diretor da A&M serve, portanto, para realinhar as expectativas do setor elétrico. A intervenção da União na oferta é um paliativo, um primeiro passo. Mas a jornada para um mercado de gás robusto, competitivo e que realmente apoie a energia limpa exige um esforço regulatório e de investimento em infraestrutura muito maior.
Um Apelo por Ação Sistêmica para o Mercado
O potencial do gás natural brasileiro, especialmente o pré-sal, é inegável, podendo ser uma fonte de riqueza e um alicerce sólido para a descarbonização global. No entanto, o diagnóstico da A&M Infra ressalta que o caminho para o aproveitamento dessa riqueza não é via medidas isoladas, mas sim por meio de uma reforma sistêmica e corajosa.
A real revolução do mercado passa pela aceleração de licitações para gasodutos, a revisão de marcos regulatórios que garantam o acesso de terceiros e a criação de um ambiente de competição onde as regras não mudem a cada ciclo de governo. Somente assim, o volume prometido pela União se traduzirá em preços mais justos e em maior viabilidade econômica para todo o setor elétrico.
Profissionais da energia limpa esperam que a estabilidade do gás se some à curva decrescente de custos das renováveis. Para isso, o Gás da União deve ser visto como um catalisador, e não como a solução final. O diretor da A&M nos lembra: o mercado exige mais do que apenas a promessa de volume; exige alicerces regulatórios e logísticos robustos.