A Europa define o que é “Hidrogênio Verde” via Regras Delegadas, gerando tensões com a indústria sobre viabilidade e velocidade da Transição Energética.
Conteúdo
- A Molécula da Controvérsia: O Que Significa Ser “Verde”?
- O Princípio da Adicionalidade: O Peso do Novo Investimento em Geração Renovável
- A Correlação Temporal: O Desafio do Relógio para a Eficiência dos Eletrolisadores
- Indústria em Colisão: Produtores contra Regras Rígidas para a Expansão do H2V
- O Espelho para o Brasil: Exportação, Certificação e o Impacto das Regras Europeias
- O Equilíbrio da Sustentabilidade e o Futuro da Transição Energética
A Molécula da Controvérsia: O Que Significa Ser “Verde”?
No dicionário da sustentabilidade, Hidrogênio Verde é aquele produzido por eletrólise da água, utilizando exclusivamente Geração Renovável (eólica, solar, hidrelétrica). Parece simples, mas a Europa não quis correr o risco de que o H2V fosse apenas um pretexto para desviar energia limpa já existente na rede.
A grande preocupação da União Europeia é o que chamam de “vazamento de carbono”. Se um projeto de H2V simplesmente consumir energia renovável de uma rede já sobrecarregada, outra indústria terá que recorrer a fontes fósseis (gás ou carvão) para suprir a demanda. O saldo líquido de carbono, neste caso, seria nulo ou até negativo.
Para evitar essa fraude climática, a Comissão Europeia estabeleceu as Regras Delegadas em 2023, criando três critérios de peso: Adicionalidade, Correlação Temporal e Proximidade Geográfica. Estes critérios são hoje o maior desafio para a cadeia de valor dos Eletrolisadores.
O Princípio da Adicionalidade: O Peso do Novo Investimento em Geração Renovável
O princípio da Adicionalidade é, sem dúvida, o mais ambicioso e controverso. Ele exige que um novo projeto de Hidrogênio Verde não apenas consuma Geração Renovável, mas que essa eletricidade venha de novas instalações de energia eólica ou solar que tenham sido construídas especificamente para alimentar o eletrolisador — ou que tenham entrado em operação no máximo 36 meses antes.
A ideia é forçar um crescimento real na Geração Renovável em paralelo com a demanda por H2V. Para a Europa, não se trata apenas de usar energia limpa, mas de expandir a capacidade produtiva de energia total do continente.
Os produtores de H2V, no entanto, alertam que esta regra eleva drasticamente o custo e a complexidade dos projetos. Eles precisam não apenas investir nos caros Eletrolisadores, mas também em novas usinas eólicas ou solares dedicadas, atrasando a massificação e colocando em risco as metas de produção de Hidrogênio Verde da Europa.
A Correlação Temporal: O Desafio do Relógio para a Eficiência dos Eletrolisadores
Se a Adicionalidade trata do “o que” (a fonte da energia), a Correlação Temporal trata do “quando”. Este requisito impõe que a produção do Hidrogênio Verde ocorra na mesma janela de tempo em que a Geração Renovável associada está sendo produzida.
Inicialmente, a regra permitia um pareamento mensal. Ou seja, a produção de H2V e de energia limpa poderiam ser contabilizadas ao longo do mês. No entanto, as Regras Delegadas preveem uma transição para a correlação horária até 2030 (em algumas regiões, até 2027).
Essa exigência horária é vista pela indústria como um pesadelo logístico. A produção de hidrogênio (eletrólise) é um processo que idealmente deve rodar 24/7 para maximizar a eficiência e amortizar o alto custo dos Eletrolisadores. A intermitência horária forçada, para coincidir com o sol e o vento, exigirá investimentos maciços em armazenamento de energia (baterias) ou no armazenamento do próprio hidrogênio para garantir a continuidade.
Indústria em Colisão: Produtores contra Regras Rígidas para a Expansão do H2V
A resposta da indústria à rigidez das Regras Delegadas foi imediata e crítica. Grandes players da Transição Energética, incluindo empresas de energia e de tecnologia, argumentam que o custo da conformidade tornará o Hidrogênio Verde não competitivo frente ao hidrogênio cinza (produzido a partir de gás natural, sem captura de carbono) por anos.
O principal ponto de atrito é que as regras criam uma barreira de entrada proibitiva para o desenvolvimento inicial do mercado. Sem escala, a tecnologia não barateia. E sem a flexibilidade de comprar eletricidade da rede durante a noite (mesmo que essa eletricidade seja contratualmente renovável), os Eletrolisadores serão subutilizados.
A indústria tem pressionado a Europa a flexibilizar, especialmente em relação ao prazo da correlação horária, argumentando que a meta principal no momento deve ser escalar a produção de H2V para descarbonizar setores industriais urgentes, e não sobrecarregar o nascente mercado com burocracia e custos proibitivos.
O Espelho para o Brasil: Exportação, Certificação e o Impacto das Regras Europeias
O debate na Europa tem implicações diretas para o Brasil, que sonha em se tornar um hub de exportação de Hidrogênio Verde para o mercado europeu. Se o Brasil quiser vender H2V para a Europa, terá que comprovar que o produto cumpre as exigências das Regras Delegadas.
Nossos projetos de Geração Renovável, principalmente eólicos e solares no Nordeste, precisarão de sistemas robustos de rastreabilidade e certificação para provar a Adicionalidade e a Correlação Temporal. Isso significa que, para o Brasil, as regras europeias ditam o padrão de investimento e compliance.
A vantagem brasileira é a abundância de Geração Renovável não despachável (solar e eólica) e o potencial para construir novas usinas dedicadas com custo mais baixo do que na Europa. No entanto, a exigência de correlação horária ainda demandará grande investimento em armazenamento de energia ou em complexos sistemas de curtailment (desconexão) da produção.
O Equilíbrio da Sustentabilidade e o Futuro da Transição Energética
O conflito “verde versus verde” revela a tensão inerente à Transição Energética. De um lado, está o idealismo regulatório da Europa, que busca a sustentabilidade perfeita, garantindo que cada molécula de H2V realmente contribua para a redução líquida de carbono.
De outro lado, está a necessidade urgente de pragmatismo industrial, que clama por regras que permitam a rápida expansão e o barateamento da tecnologia de Eletrolisadores. Se as regras forem inflexíveis demais, o custo do Hidrogênio Verde pode se tornar insuportável para os consumidores finais, desacelerando a adoção.
A Europa está apostando que a rigidez inicial forçará a inovação e o investimento em soluções de armazenamento de energia mais eficientes. Para o setor elétrico, a lição é clara: a próxima década será marcada não apenas pela corrida para produzir energia limpa, mas pela batalha sobre como provar, hora a hora e watt a watt, que essa energia é, inequivocamente, a mais pura forma de “verde” no planeta.