Entenda por que as Medidas Provisórias (MPs) que visavam impulsionar a instalação de data centers no Brasil estão sendo consideradas um “desastre”.
Conteúdo
- A Origem do “Desastre”: MPs e a Visão Distorcida dos Data Centers
- O Dilema da Energia 24/7: Fontes Renováveis vs. Fontes de Base
- O Embate do Licenciamento Ambiental e as ZPEs: Mais Dúvidas que Certezas
- Distorções no Mercado e a Segurança Energética Nacional
- O Caminho para um Futuro Digital Verdadeiramente Sustentável
- Visão Geral
O Brasil almeja ser um polo global de tecnologia e inovação, mas o caminho para essa ambição está repleto de desafios, especialmente quando a legislação encontra a complexidade do setor elétrico. Recentemente, um alerta contundente ecoou pelos corredores do Congresso: deputados como Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) classificam certas Medidas Provisórias (MPs) destinadas a impulsionar a instalação de data centers no país como um “desastre”. Para nós, que acompanhamos as sinuosas trilhas da geração de energia, da sustentabilidade e da segurança energética, essa declaração não é um mero brado político, mas um sinal vermelho sobre a coerência de nossas políticas públicas.
A digitalização crescente da economia, a ascensão da inteligência artificial e a explosão de dados demandam infraestruturas robustas. Os data centers, esses “cérebros” da era digital, são famintos por energia elétrica, operando 24 horas por dia, 7 dias por semana. No entanto, o embate político e técnico em torno das MPs revela uma desconexão preocupante entre a ambição tecnológica e a realidade do nosso setor elétrico, colocando em xeque não apenas o futuro dos investimentos em tecnologia, mas também a própria sustentabilidade e a estabilidade da nossa matriz energética.
A Origem do “Desastre”: MPs e a Visão Distorcida dos Data Centers
As Medidas Provisórias em questão, elaboradas com o objetivo declarado de atrair investimentos e desonerar a instalação de data centers no Brasil, prometiam um cenário de prosperidade digital. A ideia era simplificar processos e reduzir custos tributários sobre equipamentos importados, tornando o país mais competitivo. No entanto, a execução e o escopo dessas MPs têm sido alvo de críticas severas, apontando para uma compreensão superficial das necessidades operacionais dos data centers e dos desafios inerentes ao setor elétrico.
O cerne da crítica, articulada pelo deputado Arnaldo Jardim e por outros especialistas, reside na incompatibilidade entre as condições propostas pelas MPs e a demanda energética contínua e ininterrupta que os data centers exigem. A expectativa do setor tecnológico é de um fornecimento de energia elétrica de altíssima qualidade e, crucialmente, 24 horas por dia, 365 dias por ano. Qualquer interrupção, por menor que seja, pode gerar perdas financeiras e de dados catastróficas. É justamente nesse ponto que as MPs, ao não endereçarem essa premissa fundamental de forma adequada, falham.
O Dilema da Energia 24/7: Fontes Renováveis vs. Fontes de Base
O Brasil é um gigante em energia limpa, com um vasto potencial em energia solar e eólica. No entanto, um data center não pode depender exclusivamente de fontes intermitentes. “Os data centers exigem fornecimento 24 horas, 365 dias por ano — algo que as fontes solar e eólica não conseguem garantir sem o apoio de fontes de base”, ressalta o deputado. Essa é a equação que o setor elétrico conhece bem: a beleza da energia renovável reside em sua sustentabilidade, mas sua intermitência exige soluções complementares, como usinas hidrelétricas de reservatório, termelétricas a gás (consideradas de transição) ou, em menor escala, armazenamento de energia.
As MPs falhariam ao não prever incentivos ou diretrizes claras para a integração dessas fontes de base que garantam a estabilidade e a confiabilidade necessárias. Pelo contrário, ao focar apenas na desoneração de equipamentos, sem uma política energética robusta e alinhada às exigências técnicas dos data centers, corre-se o risco de atrair investimentos que, no futuro, enfrentarão gargalos operacionais e energéticos. Isso não apenas frustraria as expectativas, mas também criaria distorções no setor elétrico e minaria a segurança energética do país.
O Embate do Licenciamento Ambiental e as ZPEs: Mais Dúvidas que Certezas
Outro ponto de atrito levantado pelas críticas às Medidas Provisórias é a questão do licenciamento ambiental e a possível utilização das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) para a instalação dos data centers. Embora a simplificação burocrática seja um objetivo legítimo, a falta de um marco legal único e específico para o licenciamento ambiental de data centers no Brasil gera incertezas e pode levar a abordagens inconsistentes e, por vezes, menos rigorosas em nível estadual e municipal.
Os data centers são grandes consumidores de energia e, em muitos casos, de água para refrigeração, além de gerarem calor e resíduos eletrônicos. Ignorar esses impactos ambientais em nome de um incentivo simplório, sem a devida análise e rigor técnico, pode ser um “desastre” para a sustentabilidade. A localização em ZPEs, que oferece benefícios fiscais, não resolve a complexa demanda energética e os requisitos ambientais que essas megaestruturas impõem. A crítica é que as MPs podem estar “escanteando” o Ministério do Meio Ambiente e aprofundando os riscos ambientais em troca de uma atração de investimentos que se mostra frágil em suas bases.
Distorções no Mercado e a Segurança Energética Nacional
A crítica do deputado e de outros setores especializados aponta para o risco de as MPs criarem distorções no mercado de energia. Se os data centers receberem incentivos desproporcionais ou condições de energia que não refletem os custos reais de um fornecimento ininterrupto, isso pode afetar a competitividade de outros setores e a própria precificação da energia elétrica. A segurança energética, que é a capacidade de um país de garantir o fornecimento de energia de forma confiável e acessível, pode ser comprometida.
A atração de data centers deve ser parte de uma estratégia nacional abrangente, que considere não apenas o benefício econômico imediato, mas também a integração com o setor elétrico, a sustentabilidade e a resiliência da infraestrutura. O debate sobre essas MPs expõe a necessidade de um diálogo mais aprofundado entre o setor de tecnologia, o setor elétrico, os órgãos reguladores e o poder legislativo, para evitar que a busca por um avanço digital se torne um “desastre” para a economia e o meio ambiente.
O Caminho para um Futuro Digital Verdadeiramente Sustentável
Para que o Brasil se estabeleça como um hub de data centers e inteligência artificial, é preciso ir além de desonerações tributárias pontuais. A solução passa por uma política nacional de data centers que seja coerente, estratégica e que integre a demanda tecnológica com a capacidade e a sustentabilidade do setor elétrico. Isso implica em:
- Planejamento Energético Integrado: Desenvolver um plano de expansão do setor elétrico que preveja a demanda de data centers, garantindo energia 24/7 com fontes de base e incentivando a complementaridade com as energias renováveis.
- Marco Regulatório Claro: Estabelecer um marco legal e regulatório específico para data centers, incluindo um licenciamento ambiental robusto e transparente, que considere seus impactos hídricos, energéticos e de resíduos.
- Incentivos Estratégicos: Oferecer incentivos fiscais e regulatórios que realmente promovam a eficiência energética, o uso de energia limpa e a localização em regiões com infraestrutura de energia adequada.
- Investimento em Infraestrutura: Priorizar investimentos em transmissão e distribuição de energia elétrica para suportar a nova demanda, evitando gargalos e o risco de curtailment.
A visão de que as MPs são um “desastre” para os data centers serve como um catalisador para um debate mais maduro e estratégico. O Brasil tem o potencial de ser um líder em tecnologia e energia limpa, mas para isso, suas políticas devem ser tão robustas e inovadoras quanto a própria tecnologia que busca atrair. O futuro digital do país depende de uma base sólida e sustentável, construída com diálogo e um profundo entendimento das complexidades envolvidas, e não apenas com promessas de desoneração.