Com PL do Licenciamento, indígenas perdem proteção em projetos minerários da Belo Sun, Potássio do Brasil, Anglo American e Vale 

Com PL do Licenciamento, indígenas perdem proteção em projetos minerários da Belo Sun, Potássio do Brasil, Anglo American e Vale
Com PL do Licenciamento, indígenas perdem proteção em projetos minerários da Belo Sun, Potássio do Brasil, Anglo American e Vale - Foto: Divulgação
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Exclusão de zona de impacto de grandes obras em terras indígenas não homologadas e a redução nas demais, como revelado pela InfoAmazonia, pode facilitar implantação de projetos das quatro mineradoras em 17 terras indígenas amazônicas. Ao todo, 902 requerimentos minerários na Amazônia Legal, de 519 empresas, podem ser beneficiados pela alteração das normas.

Por Jullie Pereira, Ana Magalhães and Renata Hirota

As mineradoras Belo Sun, Potássio do Brasil, Anglo American e Vale podem ter pelo menos 66 requerimentos minerários válidos facilitados ao redor de 17 terras indígenas (TIs) na Amazônia, caso o Projeto de Lei (PL) do Licenciamento seja sancionado pelo presidente Lula (PT), segundo levantamento exclusivo da InfoAmazonia.

Aprovado na madrugada de 17 de julho pela Câmara dos Deputados, o PL do Licenciamento permite que obras como portos, ferrovias, rodovias, termelétricas e projetos minerários, entre outras, sejam instaladas no entorno de terras indígenas não homologadas do país sem consulta à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

O texto também reduz a área de influência direta (conhecida como zona de impacto) dos projetos de mineração de 10 km para 8 km no caso de terras indígenas homologadas e com restrição de uso para isolados no bioma Amazônia. E diminui de 10 km para 5 km essa faixa de amortecimento em outros biomas da Amazônia Legal, como o Cerrado e o Pantanal, igualando-as às demais regiões do país, como revelou a InfoAmazonia na semana passada.

Na prática, se implementadas, as mudanças podem acelerar a instalação de grandes obras e projetos minerários na fronteira e no entorno desses territórios porque a atual exigência de consulta à Funai garante a proteção dos povos indígenas e uma avaliação mais criteriosa dos impactos socioambientais dos empreendimentos.

Se o projeto for sancionado e virar lei, além de beneficiar as quatro gigantes da mineração, poderá facilitar a implantação de projetos minerários de outras 515 empresas na Amazônia Legal.

A análise da InfoAmazonia considerou todos os requerimentos minerários válidos na Agência Nacional de Mineração (ANM) feitos ao redor de terras indígenas que perderão ou que terão a zona de impacto reduzida. O levantamento considerou as fases de requerimento de pesquisa, autorização de pesquisa e requerimento de lavra feitos à ANM – etapas anteriores à exploração mineral em si e que, para serem concretizadas, dependerão do licenciamento ambiental. As etapas referentes à pesquisa mineral podem dar resultado negativo – e a empresa pode vir a desistir de explorar o minério.

Os dados mostram que a Potássio do Brasil, controlada pelo banco canadense Forbes & Manhattan, tem 17 processos de mineração ao redor de sete terras indígenas na Amazônia Legal, que podem ser facilitados caso o texto seja sancionado. Um dos projetos é a mina de potássio em Autazes, no Amazonas, que está a menos de 10 km das TIs Jauary e Murutinga/Tracajá e a 8 km da Parachuhuba. Os outros requerimentos estão a menos de 10 km das TIs Ponciano, Kaxuyana-Tunayana e Sissaíma, também no Amazonas – todas em processo de demarcação, mas ainda não homologadas. Há mais um requerimento minerário da canadense entre 10 km e 8 km da TI homologada Coatá-Laranjal, também no Amazonas.

Já o projeto da mineradora Belo Sun, também operada pelo banco canadense Forbes & Manhattan, de exploração de ouro na região da Volta Grande do Rio Xingu, no Pará, perderia a participação da Funai no processo de licenciamento já que os requerimentos minerários da empresa estão a menos de 10 km da Terra Indígena Paquiçamba e entre 10 km e 8 km das TIs Arara e Trincheira Bacajá, no Pará. O projeto está judicializado principalmente porque, em 2012, a empresa ignorou a presença e o impacto aos povos indígenas da região.

A multinacional de origem britânica Anglo American tem 38 requerimentos para cobre e níquel ao redor das terras Sawré Muybu (Pimental), Sawré Bap in (Apompu), Kapôt Nhinore e Apiaká do Pontal e Isolados, localizadas no Pará. Elas estão há mais de 20 anos aguardando homologação.

A Kapôt Nhinore, território do povo Kayapó onde o líder indígena Raoni passou a sua juventude, teve seu primeiro grupo de estudo criado em 2004, mas o relatório só foi aprovado em julho de 2023. A TI Sawré Muybu (Pimental), do povo Munduruku, teve o processo demarcatório iniciado em 2007, mas sua declaração oficial só foi assinada em setembro do ano passado. Apesar desses avanços recentes no processo demarcatório, como suas homologações ainda não foram concluídas, elas também perderiam a proteção prevista para terras situadas na área de influência direta dos empreendimentos, assim como os demais territórios ainda não homologados.

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A mineradora Vale também tem requerimentos minerários de estanho, cobre, alumínio e níquel que podem ser agilizados pela exclusão da Funai do licenciamento ambiental ao redor das TIs Tembé, Trombetas/Mapuera e Xikrin do Rio Cateté, todas homologadas.

As mudanças na zona de impacto das grandes obras – o que inclui projetos de mineração – são referenciadas nos artigos 42, 43 e 44 e alteradas no Anexo do PL. Ao dizer que somente os territórios indígenas homologados e de uso restrito a isolados devem considerar a manifestação da Funai, o texto exclui as não homologadas da zona de impacto do empreendimento.

Apenas essa exclusão dos territórios não homologados da zona de impacto pode facilitar a implantação de 2.825 processos minerários no entorno de 121 terras indígenas no país todo, requeridos por 1.235 empresas.

“As terras indígenas não homologadas estão sendo desconsideradas no licenciamento ambiental porque a Funai não vai mais ser procurada. O limite de 10 km que temos hoje já não tem base técnica, e tem sido usado, mas o PL piora a proteção em geral”, explica a ex-presidente do Ibama Suely Araújo.

O Supremo Tribunal Federal, em 2018, se manifestou sobre terras indígenas não homologadas, dizendo que os direitos dos povos indígenas sobre suas terras são originários, ou seja, anteriores à própria criação do Estado. Assim, o ato administrativo da homologação possui natureza meramente declaratória, e não constitutiva de direito. A proteção desses povos, segundo o Supremo, não pode estar condicionada à homologação.

Ao todo, no Brasil inteiro, o PL retira a participação da Funai em 3284 projetos minerários requeridos por 1.535 empresas e que, caso implantados, poderiam afetar 237 terras indígenas (homologadas e não homologadas).

Além de lamentar a desproteção aos povos indígenas – especialmente aqueles em terras não homologadas –, a diretora da Funai, Lúcia Alberta Andrade, afirma que o PL coloca uma “camisa de força” no órgão, limitando o prazo para a sua manifestação a 30 dias, prorrogáveis por mais 15. “Ele [o PL] cria caminhos para agilizar o processo [de licenciamento], atropelando procedimentos. É muito grave”, diz a responsável pela Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai.

O texto do projeto de lei afirma que o órgão licenciador, no caso, o Ibama, não mais precisa esperar a manifestação da Funai para seguir o processo de licenciamento ambiental.

Procurada por email, a Anglo American afirmou à InfoAmazonia que “não possui nenhuma licença de exploração em terras indígenas ou em florestas primárias no Brasil” e que “todos os direitos minerários em terras indígenas ou próximos já tiveram suas desistências protocoladas junto à Agência Nacional de Mineração (ANM)”, mas não enviou provas documentais e os requerimentos seguem válidos na ANM. A multinacional também disse que a base da ANM é atualizada regularmente, “mas ainda guarda alguns dados históricos que não refletem a situação atual”.

Em nota, a Vale afirmou que já renunciou aos processos minerários no entorno das TIs Tembé e Trombetas/Mapuera, destacando que os dados da ANM “podem estar em processo de atualização”. Em relação à TI Xikrin do Rio Cateté, a empresa confirma possuir processos minerários que interferem com a zona de amortecimento de 10 km. “Uma eventual alteração para o novo limite de 8 km não altera a atividade da Vale na região”.

Procurada pela reportagem, a Potássio do Brasil disse que o projeto minerário no Amazonas teve aprovação de “90% do povo Mura de Autazes, decisão essa ratificada em maio deste anos pelo TRF1 [Tribunal Regional Federal da 1ª Região], incluindo, na consulta a TI Jauary, o que afasta qualquer necessidade de nova manifestação”. A empresa afirmou ainda que não tem qualquer vínculo com o PL do Licenciamento.

A canadense Belo Sun foi procurada por e-mail, mas não respondeu até a publicação deste texto. Caso se manifeste, seu posicionamento será incluído na reportagem. Também contatamos a ANM para comentar sobre os atrasos na base de dados, mas não tivemos resposta até a publicação. Os últimos dados disponíveis na plataforma da agência, usados nesta reportagem, são de junho deste ano.

‘Já tivemos impacto nos rios e na caça’

Outras terras indígenas com conflitos territoriais também podem ser impactadas, como é o caso da Terra Indígena Kayapó, que passa por um processo de desintrusão, com forte presença de garimpo dentro e ao redor do território. Os dados da InfoAmazonia mostram que 19 requerimentos minerários poderiam ser implementados sem anuência da Funai, com a mudança da zona de 10k para 8km na TI Kayapó. Os pedidos são para exploração de ouro, estanho, cobre, alumínio, manganês e cassiterita.

O líder indígena Patkore Kayapó, da TI Kayapó, teme que o PL torne o território ainda mais vulnerável aos ataques que já ocorrem. “Aqui, nós temos uma forte pressão da mineração e também dos garimpos clandestinos. Eu lembro que, em 2012, eram poucos os empreendimentos próximos ao território Kayapó. Hoje, são muitos, e já tivemos impacto nos rios e na caça”.

Além do impacto nas terras indígenas, os três artigos do PL também se aplicam a quilombos titulados com mudanças idênticas às impostas aos territórios indígenas. Segundo dados do Incra, 176 territórios quilombolas da Amazônia não têm titulação e, portanto, ficariam desprotegidos no seu entorno.
 Imagem de abertura: Requerimentos minerários da Belo Sun podem impactar a Terra Indígena Volta Grande do Xingu, no Pará. Crédito da foto: Cícero Pedrosa/Amazônia Real

Crédito: Jullie Pereira, Ana Magalhães and Renata Hirota *  *a autorização para republicação do conteúdo se dá mediante publicação na íntegra, com crédito e redirecionamento (link) para a publicação original. O InfoAmazonia não se responsabiliza por alterações no conteúdo feitas por terceiros

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